por Henrique Goldman
Trip #167

Nosso colunista tenta entender por que sempre sonha com rios e com o pai nas mais diferentes situações: batizado na pororoca, afogado no Tâmisa, naufragado num pedalinho em Lindóia

Há anos tenho sonhos recorrentes com rios. Sei que soa ridiculamente “guimarãesroseano”, mas quase sempre meu pai está presente nesses sonhos.
Uma noite, há muitos anos, meu pai quis que eu me jogasse na correnteza de um rio, mas eu preferi viver e relutei. Outra vez, durante um churrasco na casa do Wilsinho Fittipaldi, ele engasgou com um pedaço de picanha e, de repente, voou de uma margem a outra de um rio enorme. Meu pai já me batizou nas águas da pororoca e já naufragamos juntos em um pedalinho em Lindóia. Ele até já me matou, afogando-me num sacrifício ritual nas águas do Tâmisa.

Os pais de meu pai nasceram em Ostrowa, na Polônia, que fica às margens do rio Ostrowa. Judeus perseguidos, eles atravessaram meio mundo e desaguaram em Itajubá (MG), às margens do Sapucaí. O nome da cidade deriva da palavra tupi Itajiba, que significa “rio das pedras que do alto caem” – como num sonho ou num milagre, uma cachoeira despenca do céu para nos salvar do extermínio.

METÁFORAS FLUVIAIS

Eu tenho meu feio, humilhado e fétido Tietê, um pesadelo que quase não pode mais ser chamado de rio. Mas ele é o meu berço fluvial, meu Ganges e meu Jordão. Quem ama o feio, bonito lhe parece. Volto para o Brasil, saio do aeroporto e entro no fluxo absurdo do tráfego da marginal. Me reencontro nas águas nauseabundas infestadas por nossas bundas nauseadas.

Abraço meu pai pensando que nos desaguamos uns nos outros. São tantos sonhos recorrentes porque rios, pais e céus podem ser metáforas para tudo. Mães, terras e árvores também. Quase como se o mundo não precisasse de mais nada para se representar.

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