No ano em que comemora 50 anos de carreira, o rei do pop nacional ganha sua primeira biografia: ”Sidney Magal: muito mais que um amante latino”, uma coleção de relatos e crônicas sobre sua vida
Sidney Magalhães encontrou um caderno que não via há anos. É um caderno enorme e velho, monstruoso, ele diz. Neste caderno, a partir de 1967, escreveu diariamente tudo o que fez durante várias décadas, até encher o saco de tanta escrita no começo dos anos 90. "Escrevia: 'Fui no show tal', 'Viajei para a Europa', 'Fui entrevistado pelo Clodovil', 'Hebe Camargo me convidou para uma festa'", conta. "Posso me relembrar de coisas que eu jamais saberia que aconteceram comigo." O diário perdido reapareceu bem a tempo de uma grande festa que ele está preparando para comemorar os 50 anos de carreira.
Embora o primeiro disco que leva o nome com que ficou conhecido e que o lançou ao estrelato, Sidney Magal, tenha sido lançado em 1977, o músico começou a se apresentar uma década antes. Para comemorar a data, o músico prepara um ano movimentado, com shows, um DVD novo, um filme sobre seu casamento de 37 anos com Magali West e uma biografia, Sidney Magal: muito mais que um amante latino.
Magal e a autora, Bruna Ramos da Fonte, entretanto, se apressam a informar que a biografia não é, bem, uma biografia – pelo menos no sentido tradicional. "Eu disse para a Bruna: 'Olha, não sei se tenho uma história interessante pra contar'", ri Magal. O livro reúne relatos e crônicas em primeira pessoa, como se fossem contadas pelo próprio Magal, um formato que Bruna usou nos livros O barquinho vai… (2010) e Essa tal de bossa nova (2012), que escreveu com histórias do músico Roberto Menescal.
Foi exatamente durante a elaboração de Essa tal de bossa nova que Bruna falou com Magal pela primeira vez. "Liguei para confirmar uma história: o Menescal contou que tinha a missão de cortar o cast da gravadora. Foi chamando músico por músico. Quando entrou o Magal na sala – que ainda não era famoso – o Menescal falou: 'Não posso cortar esse cara, ele vai ser um sucesso'", lembra Bruna. Já nessa época, ela convidou Magal para fazerem um livro juntos, mas o "momento certo", conta o músico, só chegou agora – depois que o filho do cantor, Rodrigo Magalhães, começou a dizer para o pai que a data em 2017 merecia uma comemoração especial.
Numa época em que as biografias de músicos nacionais estão muitas vezes envoltas em polêmicas, grandes revelações não fazem parte das histórias de Muito além de um amante latino. Mas não porque tenham sido escondidas, garante Magal. "Não sou uma pessoa de grandes segredos, sempre fui muito autêntico, muito verdadeiro", diz. "A gente parte para algumas bobaginhas: por exemplo, vamos revelar minha verdadeira idade. No começo eu menti alguns anos pra dizer que tinha começado mais cedo. Estou louco há anos para desmintir isso." A busca maior é por reproduzir nas páginas de um livro o tipo de relação que Magal causa nos fãs das suas músicas. "O Magal separa muito bem quem é o artista e quem é o ser humano. E o ser humano se sobrepõe ao artista", diz Bruna. "Ele faz as pessoas se identificarem com ele."
A Trip publica aqui com exclusividade um trecho do livro. “A Trip fez uma das matérias mais extraordinárias da minha carreira, em um momento em que poderia parecer que eu não tinha nenhum sucesso musical”, lembra Magal, sobre as Páginas Negras da edição de julho de 2003. "Na minha cabeça, acaba me parecendo que os discos e que as músicas, apesar de toda tecnologia e de todo o avanço, são coisas que vão acabar se perdendo; e um livro, não sei se pela minha formação ou pela idade que tenho, é uma coisa que dá que dá uma seriedade. Quero deixar uma coisa registrada, definitiva, de uma carreira da qual eu me orgulho muito. E espero que as pessoas se divirtam com a minha vida porque ela me divertiu bastante."
Trecho do livro Sidney Magal: muito mais que um amante latino, de Bruna Ramos da Fonte:
Dona Sônia, minha mãe
A história de Sidney Magal começa muito tempo antes do meu nascimento, com dona Sônia, minha mãe, que sonhava em ser cantora e tinha uma voz belíssima que poderia, sem dúvida alguma, ter feito dela um grande nome da nossa música.
Minha mãe começou a sua carreira artística cantando em um programa de calouros da Rádio Nacional muito famoso na década de 40 – Papel Carbono, apresentado pelo radialista Renato Murce – e ganhou até um concurso cantando boleros em espanhol. Mas, naquela época, a mulher que escolhia seguir carreira artística tinha uma vida difícil, sofria grandes preconceitos e era muito mal vista pela sociedade. E justamente naquele momento em que a sua estrela começava a brilhar, ela se apaixonou pelo homem que viria a ser o meu pai e, como praticamente homem nenhum naquela época aceitaria ter uma esposa artista, ele exigiu que ela escolhesse entre a carreira ou o casamento. Muito apaixonada por ele – que foi, até o fim, o grande amor da sua vida, apesar de terem se separado –, ela deixou todos os seus sonhos de lado para se dedicar ao casamento e ser a minha mãe.
E assim ela abriu mão da sua carreira, mas nunca da música. A música era algo que fazia parte da vida dela, que vinha da alma. Então a nossa vida diária era muito musical. E foi pela voz da minha mãe – que embalava o meu sono de criança – que desde cedo eu conheci a música. E a música se tornou parte de mim como era parte dela também.
Como não poderia deixar de ser, logo na infância a minha veia musical começou a aflorar de uma forma muito natural e minha mãe foi a primeira pessoa que enxergou o artista que existia em mim, me apoiou e desde sempre me incentivou. Quando iniciei a minha carreira, ela tinha total certeza que eu era o maior cantor do mundo (coisa de mãe, né?) e que eu seria um grande sucesso, então desde os meus primeiros shows ela estava sempre na primeira fileira, batendo palmas para mim e, de certa forma, realizando – a cada pequeno sucesso meu – o sonho da carreira que ela não teve a chance de viver.
Durante todos esses anos de carreira, a vida me trouxe muitas pessoas – às quais sou muito grato – que foram importantíssimas por terem acreditado em mim, por terem dado espaço para a minha música. Mas, se hoje eu completo 50 anos de carreira, devo agradecer primeiramente à dona Sônia, minha mãe, que foi a primeira pessoa a enxergar e acreditar no artista que eu sou até hoje.
Créditos
Imagem principal: Vagner Berber/Editora Abril