Se nos EUA a majestade cabe a Michael Jackson, no Brasil ninguém merece o título mais que Sidney Magal. O cigano fajuto que conquistou as elites com sua música (beeeeem) popular brasileira
Se nos EUA a majestade cabe a Michael Jackson, no Brasil ninguém merece o título mais que Sidney Magal. Peso pesado da Música Beeem Popular Brasileira, o cigano fajuto que foi criado pelo escritor Paulo Coelho conquistou a elite bem pensante — e bem pagante — do país e tem se apresentado em clubes bacanudos e festas de grife por aí afora. Das orgias nos anos 70 ao ostracismo nos 80, Magal não traz mágoa nem arrependimento. E dá de ombros para a grande mídia: “Eles não sabem o que estão perdendo”.
“Quero vê-la sorrir,/ quero vê-la cantar,/ quero ver o seu corpo/ dançar sem parar.” Quem nunca se divertiu ao som desses versos não vive no Brasil real. O Brasil que to-cava na rádio AM e desfilava na surreal Buzina do Cha-crinha, na TV Tupi. Era o fim dos anos 70 e o desbunde era geral — seja na intelectualizada Tropicália, seja na MBPB, a Música Beeem Popular Brasileira, tachada de “brega”.
A ode a “Sandra Rosa Madalena” vinha embalada nos lábios tremulantes de Sidney de Magalhães, vulgo Sidney Magal, homenzarrão de 1,90 metro e então 85 quilos, que se requebrava em trejeitos de salsa e tourada espanhola. Uma vez flamenco, sempre Flamengo. Cigano de araque e carioca sem papo-cabeça da zona sul, Magal fez história no showbizz brasuca. Chegava de Landau e pisava em tapete vermelho para entrar no auditório do Velho Guerreiro — que se esbaldava com seu ídolo predileto, repelindo a barrigadas as fãs ensandecidas que invadiam o palco.
De tristes estes trópicos não tinham nada. O Brasil dos abismos sociais é o mesmo dos contrastes berrantes e, nesse quesito, o figurino de Magal era dez. Filho de um gráfico e uma dona de casa que cantava na Rádio Nacional, Sidney nunca tocou um instrumento, mas soltava o gogó na noite desde os 16. Em 1975, girou a Europa com um insólito grupo folclórico brasileiro, vestindo tapa-sexo. De volta, foi descoberto numa pizzaria na Barra da Tijuca por executivos da Polygram, entre eles um certo Paulo Coelho. “Se Te Agarro Com Outro Te Mato” foi o primeiro hit, seguido pelos inesquecíveis “Meu Sangue Ferve”, “Sandra Rosa Madalena” e “Amante Latino”.
Rebolando para bacana
A apoteose do cigano durou até 1980, quando Magal foi sumindo da grande mídia. Reapareceu dez anos depois, pegando carona na onda da lambada com a música “Me Chama Que Eu Vou”, tema da novela Rainha da Sucata. Hoje, com declarados 50 anos (53 segundo um RG encontrado pela revista Veja que ele não desmente nem confirma) e 12 quilos mais gordo, Magal mantém a estampa sem ginástica, plástica nem botox, jura. O revival dos 80 e a moda “trash” catapultaram-no para o público A/B, que antes torcia o nariz para suas caras e bocas.
Animou festa de casamento no milionário Clube Hebraica, foi contratado pelo Grupo DeMillus para shows em todas as capitais do país, apresentou-se para o povinho fashion, rebolou no aniversário do tradicional Círculo Militar e agitou a festa de dois anos da Tpm. Sem falar nas dezenas de baladas privés em mansões paulistanas e cariocas e nas “festas bregas” das faculdades do interior. Se rico não está, mantém um bom patrimônio amealhado nos anos de ouro, dá cerca de 6 shows por mês e acaba de emplacar uma canção na trilha da novela Kubanacan.
Casado há 23 anos e pai de três filhos, Sidney Magal conversou com a TRIP em São Paulo logo após a sessão de fotos que ilustra a matéria — a mais concorrida que este repórter já viu. Do fotógrafo à produtora de moda, do porteiro à moça do cafezinho, todos pediram autógrafos e fizeram fotos ao lado do artista. Rei do pop, aqui, é ele.
TRIP - Por que Sidney Magal, de cafona nos anos 70, hoje virou cult?
Sidney Magal - Finalmente algumas pessoas começam a entender que eu tinha uma coisa superpopular, mas ao mesmo tempo muito criativa e diferente. Quando apareci, não era aquele cantor com violãozinho e calça jeans. Criei um personagem para mim que foi muito forte, com um repertório de músicas simples, despretensiosas, com mensagens de amor. A Jovem Guarda tinha quinhentos artistas que se comportavam da mesma maneira e a Tropicália, aquela filosofia sempre hippie. Fiz uma coisa mais latina e, ao mesmo tempo, americanizada — isso causava um espanto muito grande. Hoje, quando as pessoas perguntam: “Magal, como você sobrevive sem estourar novos sucessos?”, digo que é porque não conseguiram nada igual. Existem trinta duplas sertanejas e trinta grupos de pago de iguais, mas não outro Ney Matogrosso nem outro Sidney Magal.
Você sempre diz que não suporta a palavra “brega”. Por quê? Os “bregas” são os puteiros do Nordeste, daqueles de baixo nível mesmo, de beira da estrada, luz vermelha e tudo o mais. A música que tocava lá era Waldick Soriano... O próprio Roberto [Carlos] foi considerado cantor de motel muito tempo. Não que me ofendesse tocar lá, mas isso generalizava o meu público, como se ele fosse só o daquele tipo de ambiente. Não era: todas as estudantes das escolas públicas do Brasil eram alucinadas pelo Sidney Magal, as empregadas domésticas e muita gente de sociedade também, mas sem confessar. “Popular” é a palavra certa. Popular porque o povo gosta.
Incomoda as pessoas te contratarem como uma espécie de palhaço? Não. Para mim, bate como desafio. Uma coisa que tem acontecido são aquelas festas bregas em que todo o mundo vai de paletozinho, flores, meio Falcão. Quando faço show nessas festas, no final todo o mundo tira a fantasia e diz: “Você é um puta profissional, que performance!”.
No final dos anos 70, Caetano Veloso declarou que sua música “não dizia nada” para ele e você respondeu: “Os pseudo-intelectuais não ouvem meus discos porque acham que gênios são os que eles assim designaram”. É isso mesmo? Tenho verdadeira admiração pelo Caetano, inclusive ele me adora, a gente sempre se fala em Salvador. Mas isso é verdade. Por exemplo, o que é o Xandy, do Harmonia do Samba? Um pagodeiro, um cara com estampa, adorado pelas mulheres. Quando Caetano disse que ele era o charme da Bahia, a carreira do Xandy fez isso [aponta para cima]. Virou coqueluche. As pessoas gostam de ser os criadores dos outros. No momento em que as coisas surgem independente da vontade deles, começam a colocar defeitos. Na época, estranhei quando Caetano falou isso porque toda música diz alguma coisa. Se você estiver na roça comendo amendoim com uma menina e ouvir Chitãozinho e Xororó, vai se realizar: “Maravilhoso, não quero rock pauleira agora na minha cabeça”. Música é momento.
O Brasil é um país elitista? De forma alguma. Acho que é muito popularesco, sob todos os aspectos. Por exemplo, sou apaixonado por Dorival Caymmi, um cara que fez músicas maravilhosas que marcaram a MPB e que, no entanto, são da maior simplicidade possível. A cara do Brasil é essa.
Dizem que o apresentador Chacrinha foi um dos primeiros a misturar a alta cultura com a baixa no Brasil. E ele era o seu maior fã, né? A maior paixão do Chacrinha era eu, modéstia à parte. Tanto que, no dia do enterro dele, cheguei atrasado porque estava um trânsito enorme, uma loucura no Rio, e o filho dele olhou para cima e disse: “Meu pai, ele veio!”. Fiquei superfeliz. “Meu pai tinha verdadeira adoração, loucura por você”, me falou. E tinha mesmo. Na Urca, na época da TV Tupi, o Chacrinha pedia que eu chegasse de Landau, já vestido e maquiado. Os câmeras me esperavam na porta. Chegava o carro, eu descia, pisava num tapete vermelho, passava pelo meio do público e ia até a porta do estúdio — todo o mundo se acabando, se rasgando. Ele adorava, babava com aquilo.
Como foi essa época de auge da sua carreira? Quando apareci na TV Globo pela primeira vez, no [programa] Globo de Ouro, o jornal O Globo publicou na primeira página do caderno de cultura o texto: “É um meteoro, um pássaro, um avião? Não, é Sidney Magal”. Quando apareci, as pessoas ficaram bestas, o público delirava.
Você provocava especialmente as mulheres... Provocava todas [ri, com estrondo]. Fui assediado várias vezes por três, quatro mulheres ao mesmo tempo, que vinham com o intuito de me estuprar. E eu me deixava estuprar, não tinha o menor problema [risos]. Em 80, quando conheci a Magali [West de Magalhães, atriz e mulher de Magal], fiquei mais calmo. Mas entre 76, quando estourei, e 80 aprontei bastante. Eu me permitia muitas coisas, achava que era a única maneira de conhecer o ser humano.
Conta uma balada especialmente pé na jaca. Ah... Eu estava em Ilhéus, na Bahia, fazendo um show e a telefonista do hotel, que era muito bonita, disse que gostaria de me ver depois do show e tal. Fui. Só que o assessor que trabalhava comigo na época, quando chegou ao hotel, encontrou outras três meninas, estudantes, que queriam me pedir autógrafo, me ver — e ao mesmo tempo me comer, falando português claro. Ele, muito assanhado, achando que ia sobrar uma para ele, levou todas para o motel onde eu estava. Então ele chegou e as meninas me devoraram [risos].
Com a telefonista junto!? A telefonista, não. Já tinha rolado com ela e dispensei. Isso foi em 77, por aí, e realmente estava deslumbrado com o estouro da minha carreira. Pensava: “Vamos ver se vida de artista é essa maravilha mesmo”. Caí matando.
E para o seu assessor não sobrou nada? Não, voltou arrasado para o hotel [risos]. Elas não estavam a fim de sexo... mas de sexo com o Magal! Acontecia, no interior, de uma garota chegar para mim chorando e dizer: “Pelo amor de Deus, me leva, quero ser sua mulher, sua qualquer coisa!”. Mas há uma mistura de tudo na cabeça dessas meninas, elas estão insatisfeitas, querem abandonar a vida que levam, e você significa o glamour, a riqueza, tudo aquilo das grandes cidades.
Dizem que, nesses shows, alguns rapazes enciumados te xingavam e sua mãe, dona Sônia, chegava neles e dizia: “Viado por quê? Já foi pra cama com ele?” [Risos] É, isso acontecia quando ela estava presente. Mas nunca me incomodei com esses caras. Não sou de brigar e trabalho na noite desde 16, 17 anos, no meio de travestis, gays, putas. Aprendi a respeitar as pessoas.
Você já transou com homem? Não. Mas, na época da euforia, poderia até ter rolado, se fosse uma pessoa que me excitasse. Naturalmente, talvez tenha algum bloqueio de formação. Na minha opinião, todo ser humano é bissexual, a gente só é dirigido e educado para A ou B. Fui cantado por milhares de homens.
Conta uma dessas cantadas gays, então. A mais sensacional foi a de um gerente de hotel em Minas. Ele ligou no meu quarto e disse que queria um autógrafo para uma amiga dele. Eu disse: “Tudo bem, pode subir”. Abri a porta de cueca, na maior ingenuidade. Então, ele começou a tremer todo, suar frio e soltou: “Eu queria te dar um beijo”. Em vez de dizer “sai daqui, maldito, odeio essas coisas”, pedi para ele entrar e conversamos um tempão. Expliquei: “Olha, se tivesse sentido alguma atração por você, até que de repente poderia rolar”. No caso, não tinha nada a ver mesmo, aquele gerente de terninho, gravatinha, suando, se tremendo todo e dizendo que me amava [risos]!
E drogas? Você experimentou nesses dias? Não. Comecei a beber. Cervejinha, vinho... Outras coisas, não tenho coragem. Se você me disser: “Magal, agora que já está maduro, criou seus filhos, vamos ali no cantinho dar uma cheiradinha?”, não vou ter coragem. Sempre fui medroso, cocaína nem pensar.
Mas era uma droga bem comum nos anos 80... Super. Nas festas, passavam bandejas com cocaína na minha cara. Tinha de tudo que você pode imaginar, pessoas se aplicando... Eu: “Gente, não posso, problema de coração”. E pedia gim. Sabe por quê? Misturava com água e ia bebendo para não dar vexame.
Nunca fumou nem maconha? Maconha experimentei. Vários músicos meus fumavam e uma vez um deles me ofereceu. Era uma pessoa em quem confiava e topei. Dei uns tapinhas básicos, não sabia nem tragar. Não senti porra nenhuma, se você quer saber. Vai ver não fumei direito. De repente, comecei a rir dele, e o cara entrou numas de que eu estava muito doido, rindo à toa. “Bicho, tu tá pastel”, ele dizia [risos]. Sei que se falo isso na TRIP vão dizer: “Esse Magal está fugindo da pergunta”. Mas é verdade. E o ato de fumar maconha para mim é muito pequeno, não é chique como, por exemplo, pegar uma taça de champanhe. Essa coisa do [puxa o ar pela boca como se estivesse fumando] muito... Chinfrim.
O Magal é doido ao natural, então? Sou isso que você está vendo, um cara elétrico. Acho que vou continuar assim com 70 anos.
Já que falou em idade, você se considera um precursor do Rick Martin? Não, não. Mas até poderia ter sido... Infelizmente, as gravadoras na minha época não faziam trabalho nenhum no exterior. Mas acho que, jovem, conseguiria pegar parte do bolo para mim, embora seja muito latino: não seria grande novidade.
Sandy e Júnior estão tentando entrar nesse mercado. Com todo o respeito que tenho por eles, acho que jamais entrarão. Jovenzinhos bonitinhos cantando balada romântica daquela maneira tem milhões nos EUA. É mais fácil um Alexandre Pires fazer sucesso lá.
A propósito, de que tipo de música você gosta? Sou eclético. Por exemplo, fiquei empolgadíssimo com o CD da Norah Jones [que ganhou 5 Grammys este ano]. Sempre fui tarado pelos negros americanos. Pela Diana Ross sou alucinado desde a época das Supremes. Dei vexame quando ela esteve no Rio. Caí em prantos na frente do palco, e ela sentou no meu colo para cantar. Sempre gostei do que é perfeito vocalmente. Para mim, Emílio Santiago é a voz mais bonita deste país. Adoro Cauby Peixoto. E nunca fui apaixonado pela Jovem Guarda, nem Roberto, nem Erasmo. Era mais MPB.
Vinicius de Moraes era seu primo, né? Em segundo grau. Convivemos bastante. Inclusive, pedi para gravar “Na Tonga da Mironga do Kabuletê”. Mas ele disse: “Fica na sua que a tua linha de trabalho é outra e você vai ser reconhecido por ela. Você não precisa de mim e eu não preciso de você”. Achei maravilhoso.
E de rock, samba, rap? Você gosta? Conhece os Racionais MCs? Adoro o lado romântico dos Beatles. Gosto de Zeca Pagodinho, mas não de pagode moderno. Rap... Racionais já ouvi, mas não me diz nada.
Mas é o mesmo que o Caetano falou de você! [Risos] Foi sem querer. Mas não me diz nada mesmo. Não consigo gostar de sons ritmados, com uma batida gostosa até, mas que não me emocionam. Tecno então... Vou nesses lugares e só doido, bebendo, entro um pouco no clima.
Vamos falar da sua vida de garotão da zona sul do Rio, antes do sucesso. Você surfava? Nunca fui esportista. De vez em quando, andava de bicicleta e jogava vôlei na praia. Tive a sorte de nascer com um metro e noventa e chamava a atenção pelos cabelos encaracolados, enquanto todo o mundo usava pastinha. Naquela época não tinha isso de marombado, sarado. A gente tinha um corpo legal ou não tinha. Hoje você chega ao Rio e vê todo o mundo padronizado, parece que freqüentam a mesma academia, têm a mesma tatuagem e shortinho para marcar a entrada do músculo...
Do que você gostava, então? De ir à praia e ficar paquerando, ir às festinhas dançar com as meninas... Era muito conquistador. Sou filho único, fui criado com paparicação. Também não era muito de aventuras. Quando os meninos diziam: “Vamos pegar o carro e fazer um pega no Alto da Boa Vista?”, eu dizia: “Pelo amor de Deus, e se de repente essa porra sai do caminho, a gente morre e ninguém acha o corpo?”. O mesmo com política. Diziam que eu era alienado. Enquanto o pessoal jogava bola de gude nos cavalos da polícia, eu: “Pô, gente, será que é preciso se expor, brigar dessa maneira?”. Sempre fui relax, sonhador.
Você serviu o Exército, não? Um ano. E saí cabo, apto a terceiro sargento, com medalha de honra ao mérito. Antes de me alistar, fui pedir para meu padrinho, que era general, me livrar. Ele disse: “Não, senhor. Macho tem que servir Exército”. Acabei no 8º Grupo de Artilharia e Costa Motorizada, no Leblon, que ficava a um quarteirão da minha casa. Já que estava lá, quis transformar aquilo numa coisa agradável. Minha filosofia de vida sempre foi essa. Quando era meu dia de ficar de plantão na guarita, minha mãe aparecia de madrugada com uma cesta de sanduíches, Coca-Cola, que eu distribuía para todos os soldados [risos]. E, quando tinha acampamento e chegava a noite, quem fazia o show? Sidney, né?
Logo depois você foi morar na Itália. Como foi? Uma empresária italiana veio ao Brasil contratar um grupo folclórico de dança e queria alguém para cantar as músicas, tipo “Aquarela do Brasil”. Me indicaram e fui. Tinha 19 anos e excursionei por Itália, Alemanha e Áustria.
Verdade que, nesses shows, você cantava só de tapa-sexo? Cheguei a usar [ri]. Tinha as coreografias todas, e tinha que participar. Foi bom porque aprendi a falar italiano, mas era uma vida dura, o dinheiro não dava. Me envolvi com uma carioca que dançava no grupo, a Heloísa. Depois que voltamos ao Brasil, em 76, ela entrou em pânico e se matou. Tinha 20 e poucos anos...
Como foi isso? Ela era uma pessoa muito instável. E nessa época descobriu que estava com câncer. A gente morava junto num apartamento no Rio. Um dia, cheguei e estava cheio de polícia. O porteiro veio me avisando... Ela tinha aberto o gás e se suicidado. Foi o acontecimento mais triste de toda a minha vida. Passei semanas chorando sem parar. O trauma foi tão grande que, hoje em dia, não consigo nem lembrar o sobrenome dela.
E menos de dois anos depois dessa tragédia você foi “descoberto” pela Polygram numa pizzaria, a Ponto da Barra... Foi. Cantava bolero, música italiana, samba-canção. A música que era a minha marca nas churrascarias era “Granada” [cantarola]: “Granada, tierra sonhada por mi!”. Já cantava feito um toureiro, um bailarino espanhol. O pessoal levantava e jogava rosas no palco. Um dia, o Jairo Pires, que era diretor artístico da Polygram, me viu lá e me convidou. Gravei o “Se Te Agarro Com Outro Eu Te Mato”, que só estourou meses depois, quando entrou o Robert Livi [produtor argentino, hoje radicado em Los Angeles, que lançou discos de Chitãozinho e Xororó em espanhol], que se encantou comigo e decidiu me empresariar. Depois vieram “Meu Sangue Ferve” e “Amante Latino”, que são versões de músicas estrangeiras, e “Sandra Rosa Madalena”, que foi o Livi que fez.
Fala a verdade, essa história de cigano é cascata, né? Meu avô paterno é português e minha avó, carioquíssima. Tive também uma tataravô índia, da tribo Bororo. Acho que essa minha maneira de ser é de índio. Tinha alguém na família que era húngaro e cigano, com quem não tive contato. Contei isso para o Livi e ele: “Não, você agora é o cigano”. O próprio Paulo Coelho ajudou muito nisso.
Quer dizer que o mago Paulo Coelho, da Academia Brasileira de Letras, é um dos criadores do Sidney Magal!? É. O Paulo Coelho fazia versões de músicas latinas para mim. Se você olhar meus discos, tem o nome dele escrito em todo lugar, o que pra mim é motivo de orgulho. Reconheço o talento do Paulo como escritor, apesar de não ter lido nenhum livro dele, te confesso... Que ele me desculpe, mas eu o achava mais autêntico naquela época do que hoje... Imagina a loucura: o cara que foi parceiro de Raul Seixas de repente escreve para Sidney Magal e faz o roteiro do filme Amante Latino [estrelado por Magal em 1979, dirigido por Pedro Rovai]. Seria só pelo dinheiro? Não. Ele estava tentando descobrir o caminho dele.
Foi nessa época que você se casou com a atriz Solange Couto, que interpretou a dona Jura na novela O Clone, da Globo? Foi. Com a Solange vivi quase cinco anos. Na época ela era mulata do Sargentelli e a gente se conheceu na noite.
Além da mulata do Sargentelli, quem mais você namorou? Tive alguns romances que não posso citar. Um que posso foi com a [atriz] Angelina Muniz. Em 1979 ela fez a Sandra Rosa Madalena no filme e começamos a namorar. Tive um caso também com a [ex-jornalista e atriz] Regina Dourado. Ela era repórter em Salvador, veio me entrevistar e a gente ficou junto.
Outro dia a Gretchen disse: “Sidney Magal sempre foi e sempre será o homem mais sexy do Brasil”. Rolou com ela também? Nós sempre tivemos uma amizade muito grande, mas nunca rolou nada não. Rita Cadillac é outra que é minha amicíssima. Tive historinhas com outras chacretes da época. A Fátima Boa Viagem, por exemplo, que se ofereceu para dançar no meu show. Quando vi aquele corpo lindo dançando, uma boneca...
E sua atual mulher, a Magali? Como vocês se conheceram? Foi num programa de televisão. Cheguei para cantar e a vi. Ela tinha 16 anos e era uma das candidatas a mais bela estudante da Bahia. Foi fantástico. Comecei a chorar e falei: “Olha, não pode ser tão rápido quanto está sendo, mas você vai casar comigo, ser mãe dos meus filhos e minha mulher para o resto da vida. Você é a mulher que sempre amei a vida inteira”. Ela olhou para a minha cara pensando: “Esse Magal está dizendo isso só para me pegar” [risos].
Então você teve uma paixão fulminante por uma menina de 16 anos? Foi. Eu tinha 26 e ainda vivia com a Solange. Mas, na hora, tive certeza. Não estava bêbado, nada. Aquela menina na minha frente e eu implorando: “Pelo amor de Deus, você precisa acreditar que estou falando a verdade”. E assim foi. Nos encontramos três vezes e casamos. No terceiro encontro, pedi para ela levar a mãe junto para acertar tudo. Estamos juntos há 23 anos. Contei isso para a Bethânia e a Gal e as duas choraram que nem criança: “Magal, isso não existe!”.
Mas o que você sentiu? Um tipo de intuição? Foi pura intuição. Olha que, naquele programa, tinha 50 meninas, todas da faixa etária dela, cada uma representando uma escola. Magali me pediu um autógrafo para dar para uma amiga, já que ela nem me curtia como cantor, adorava Caetano, Bethânia. Caetano hoje é fã dela, diz que é a mulher mais bonita da Bahia. Ela fica toda cheia, né? Foi um amor alucinado. Acho que isso acontece com todo o mundo, só que a vida das pessoas não permite que elas acordem, percebam. Continuo apaixonado pela minha mulher.
Por que, depois de anos no Rio, vocês decidiram mudar para Salvador? Há 20 anos tenho casa de veraneio em Itaparica, então nas férias sempre ia lá e me sentia dono do mundo, Dorival Caymmi. Até que, há cinco anos, criei coragem: “O Rio está ficando insuportável, a minha carreira não está dando o lucro que dava, então não vou continuar vivendo numa cidade que só me toma e não me dá nada em troca”. Sempre adorei o Rio, mas, hoje em dia, infelizmente, o carioca está muito desconfiado, muito egoísta. Porque todo o mundo é inimigo. “Quem é aquele fulano que veio morar aqui no prédio? Vai ver é um trambiqueiro que roubou não sei onde. Aquele cara daquela loja não é confiável!” Isso me faz mal. A Bahia com relação ao Rio ainda é interior: mais espontâneo, amigo, prestativo. Quando não estou viajando ou fazendo show, estou na praia tomando água-de-coco, uma cerveja, ou indo de lancha para Itaparica. Sou idolatrado em Salvador.
Falando em sucesso: qual a diferença na forma como se fabricava um pop star no final dos anos 70 e hoje? Naquela época, não vou te dizer que não havia jabazinho, havia. Só que era o contrário de hoje: você presenteava quando o cara te ajudava, não pagava para isso acontecer. Quando eles tocavam a nossa música, a gravadora chamava os disc jockeys e dava um presente ou chamava o cara para jantar. Hoje, tudo é marketing. Você não sabe mais se o cara toca nas rádios porque tem um bom disco ou porque está pagando.
Um projeto de lei do PT quer transformar o jabá em crime. Você é a favor?Tem que transformar em crime, sim. Porque as rádios são concessões públicas. Disco é cultura, ou pelo menos era. E você não tem um meio natural de divulgação do seu trabalho, tem que pagar para seu produto ser exibido. Enquanto isso não mudar, não vamos ter noção de quem é sucesso de verdade. Muita gente diz que Wanessa Camargo, Sandy e Júnior ou KLB só são sucesso pelo dinheiro que os pais têm. Em parte, sim, não há dúvida. A Sandy eu conheço desde os 7 anos — era estrela no primeiro minuto que a vi. Mas os outros, KLB e Wanessa, nem tanto. Britney Spears não é prova disso? Veio aqui e deu o maior vexame dublando músicas.
Você passou vários períodos sumido da grande mídia. Depois do estouro nos anos 70, desapareceu até 1990, quando fez a música-tema da novela Rainha da Sucata, sumiu de novo e só agora voltou a emplacar uma faixa em Kubanacan. Isso te deprime? Não. Primeiro porque tenho uma família sólida, sou alguém que vive uma vida pessoal muito satisfatória. Então, não é que a minha carreira esteja em segundo plano, mas ela é um detalhe na minha vida. Não sei se sou egocêntrico ou muito pé no chão, mas, para mim, sou uma estrela de primeira grandeza. Isso ninguém me tira da cabeça, nem com toda a propaganda que a Globo me der ou me tirar. Sei do que sou capaz e penso: “Eles não sabem o que estão perdendo”.
Créditos
Marcos Villas Boas