por Luiz Alberto Mendes

QUEM  PODE  DIZER?

 

Quando a pessoa entra em uma prisão, jamais volta. Nunca mais será o mesmo. Haverá uma ruptura e outra pessoa sairá. Por conta disso os gregos consideravam o exílio equivalente à pena de morte.

Essa outra pessoa que sai da prisão é sempre um incógnita. Alguém fora do tempo, do espaço e da cultura predominante. O peso da ansiedade por viver o que perdeu, o comprime para fora. Sua dificuldade de se comunicar, dado o isolamento a que foi submetido, o pressiona para dentro. É muito perigoso que se deixe enganar novamente, sem ao menos perceber. O índice de reincidência no Estado de São Paulo é de 75%.

Fazer o que? Prisão como se tem hoje, é coisa recente na história. Há dois séculos atrás, só se prendia para julgar. A condenação podia ser tortura, mutilação ou morte. Não raro, torturavam, matavam e dividiam em partes. A condenação a cumprimento de pena em prisão celular foi evolução. Reprimia-se a atuação socialmente condenável, reeducava o homem e, após o cumprimento da pena, o reconduzia ao convívio social. Em tese, nada mais correto. Durante décadas e até séculos, esse sistema pareceu dar certo.

Hoje o sistema prisional provou-se falido. Talvez até pudesse ir mais longe se as leis fossem cumpridas. O Estado não aparelha o sistema prisional para que as leis em vigência possam ser executadas. Marcola, líder do PCC, afirmou, em depoimento na Câmara Federal, que se as leis fossem cumpridas, o PCC não teria razão de existir.

Trabalho é obrigatório para o preso. Recusar trabalho é falta grave, passível de punição disciplinar. Mas as prisões não possuem postos de trabalho sequer para um terço de sua população.  Apenas 7% dos presos de São Paulo estudam. Há mais de centena de prisões de regime fechado. Apenas algumas dezenas de regime semi aberto e nenhuma de regime aberto. E as leis prevêm essa evolução de regimes prisionais como parte do cumprimento da pena.

Embora seja reconhecida a falência do sistema prisional, não se inventou nada melhor. Em uma sociedade com um sistema de distribuição de rendas tão desigual (campeão do mundo), os desvios de conduta deveriam ser previstos A solução óbvia seria acabar com as desigualdades via redistribuição de rendas. Mas, quem esta com o osso, não irá largá-lo sem que seja obrigado.   

A ideologia predominante é maniqueísta. Aos culpados toda a carga; aos inocentes todas benesses. O problema é que, embora gostemos de nós, não nos admiramos nem um pouco. Conhecemos nossas fraquezas, mesquinhez e vilanias. Educação e cultura nos mostram valores, por conta deles, a necessidade de ponderar. Podemos estar inocentes disso ou daquilo, mas no geral cada um de nós esta culpado de alguma coisa. É pouco provável que existam inocentes. Vivemos nossas vidas entre extremos, mas a razão nos converge ao centro. Os que extremam são alijados do processo.      

Claro, existem as penas alternativas que estão sendo lentamente implantadas. Nos Estados Unidos, tenta-se dar oportunidades ao réu primário. Até a segunda penalização, há um esforço nesse sentido. Sabem quanto é lesiva à natureza humana, a existência prisional. Endurecem depois. Na terceira condenação, a pena é de prisão perpétua. A natureza do delito não é levada em consideração. No Brasil fazemos o caminho inverso. Condenamos o réu primário ao cumprimento de pena em regime fechado. Depois do cumprimento inicial da pena em regime fechado, a lei vai soltando aos poucos. Regime semi aberto e, se este setor do Estado estivesse devidamente aparelhado, a lei indicaria regime aberto.

O homem que descumpriu o código penal americano pela primeira vez, continuará o mesmo, com plenas chances de recomposição social. Esse mesmo homem, ao cometer algum delito e ingressar no sistema prisional brasileiro, não voltará. Será outro. Quem poderá nos dizer quem será essa pessoa?   

Composto por Luiz Mendes em 18/05/2009.

 

 

 

 

 

 

 

 

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