Foi o e-mail do Victor que me chamou a atenção. Dizem que sou sistemático; Nunca deixo de responder a quem me escreve. Nem que seja para mandar para a puta que o pariu ou simplesmente desejar um bom dia. Ele falava da sua emoção e do quanto gostou de ler o meu primeiro livro “Memórias de um sobrevivente”. Esse livro só me trouxe alegrias e felicidades. E receber comentários emocionados, elogiosos (nunca recebi comentário que não fosse enaltecedor) e até agradecidos tem sido comum, desde que o livro foi lançado. O carinho e a amizade do leitor são como um cobertor felpudo em pleno inverno; aquece e faz enorme bem. Rapidamente comecei a me interessar pelo rapaz. Ele estava no ultimo ano de psicologia na UNICERP, Centro Universitário do Cerrado, na cidade de Patrocínio/MG. Identificou-se muito porque, como eu, ele também foi vítima de espancamento paterno. Creio que as gerações anteriores achavam que aprendizados entravam pela pele ferida. Há quem ainda pense assim; para estes hoje temos a lei, e os Conselhos Tutelares são uma das poucas instituições que funcionam neste país.
Ele veio me falar da possibilidade de me levar para a universidade em que estudava para conversar com os estudantes. E quando Vanessa, a simpática coordenadora da área de psicologia, formalizou o pedido para que eu fosse a Patrocínio, fiquei muito contente. Ao pegar o ônibus para o aeroporto, o motorista conversava com o cobrador sobre greve. E eles falavam em furar pneus e abandonar o ônibus, caso fossem abordados por grevistas. Li nos olhos dos passageiros a torcida para que desse tempo de chegar aos seus destinos, pelo menos. Os outros? É na hora do aperto que a solidariedade desaparece. Eu estava com receio de perder o horário do avião.
Quando foi chegando ao aeroporto, fiquei mais tranquilo, conseguira escapar mais uma vez. Depois de viagem de avião e carro, cheguei ao hotel onde ficaria hospedado por dois dias. Descansei um pouco e logo chegaram Vanessa, Laura e Victor, o pessoal da Universidade. Depois das apresentações, elas me levaram para jantar no Traíras, restaurante da cidade. O clima estava ótimo, o chops, o peixe também e a companhia, mais ainda. Foi uma noite excelente.
Na televisão, quando cheguei ao quarto, estava o tumulto da greve dos motoristas em São Paulo. O povo todo nas ruas, cansado do dia de trabalho, andando. Pessoas agoniadas sem terem como voltar para casa. O povo da minha cidade estava sofrendo. Ver aquela multidão, o caos todo que a paralisação dos ônibus causara, me causava imensa tristeza. Comecei a me preocupar também com a minha volta. O que faria se não houvesse condução para voltar para casa?
Dia seguinte, as moças da psicologia vieram com mais outras moças da área da saúde e me levaram para almoçar. O Surubim estava uma delícia e a conversa encantadora. À noite vieram me buscar para o bate papo. Estavam arrumadas para a ocasião, lindas, irradiantes. Quando fui chamado ao palco, devia ter umas 400 pessoas ou mais no imenso salão. Peguei o microfone e emocionado pelo tamanho da plateia, dei o meu recado. Creio que me sai bem porque ao final fui aplaudido de pé por uns 5 minutos e não sou nenhum artista. Eu quem tive que pedir que parassem; estava ficando constrangido com tanto.
Fomos jantar e ao fim nos despedimos efusivamente; elas demonstraram haver gostado da minha conversa e companhia. Acho que ficamos amigos. A viagem de volta foi bastante tranquila, sem atrasos e, quando cheguei, já havia acabado a greve. Eu havia sofrido antecipadamente por algo que nem aconteceu; às vezes sou assim estúpido mesmo, fazer o que? Mas quem não ficaria preocupado como fiquei? Cheguei em casa bem, satisfeito com a viagem, com o trabalho que fiz, com o que ganhei e com as amizades que iniciei. Às vezes penso que algo realmente me protege, mas me atrevo a dizer que com todo mundo deve ser assim: às vezes parece que vai mesmo dar certo.
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Luiz Mendes
29/05/2014.