Por que não há Grindr para héteros?
Lemos: "As estratégias de paquera gay em geral têm efeito contrário entre héteros"
/ Créditos: Rex Features / Grupo Keystone
Por Ronaldo Lemos
em 5 de setembro de 2012
As estratégias de paquera gay em geral têm efeito contrário entre héteros. Mostrar fotos das partes íntimas provavelmente vai arruinar a chance de um homem marcar um encontro com uma mulher
Se você tem algum amigo gay homem, pergunte a ele sobre o aplicativo de celular chamado Grindr. A chance é de que ele não só conheça, como tenha uma ideia clara de como ele mudou a relação entre gays. O fenômeno adquiriu até contornos pop. Séries de TV, como a cultuada Skins, que trata de adolescentes e é produzida pela BBC, incorporaram referências ao aplicativo no enredo.
Na prática, ele funciona como um acelerador de encontros. Valendo-se do recurso de GPS do celular, o aplicativo mostra fotos de pessoas que estão por perto e à procura de alguém. A partir daí é estabelecer contato e, se houver afinidade, seguir em frente no mundo real. O aplicativo já foi até tema de texto do escritor Santiago Nazarian (bit.ly/Ns4lFa).
O que muita gente se pergunta é: por que não existe um Grindr para o público hétero? Se o aplicativo foi capaz de mudar a dinâmica de encontros entre os gays de forma tão profunda, por que algo semelhante não acontece para quem não é gay?
Uma das melhores respostas foi dada por Ann Friedman, editora executiva da Good Magazine, revista que trata de temas como ativismo político e sustentabilidade e foi quatro vezes finalista ao prêmio de melhor revista dos EUA. Seu diagnóstico é que todas as estratégias que funcionam no mundo da paquera gay têm efeito contrário no universo hétero. Por exemplo, sair mostrando fotos de partes íntimas provavelmente vai arruinar a possibilidade de um encontro.
Ao analisar aplicativos que tentaram adotar o modelo do Grindr para o universo hétero (como o Blendr, Badoo, Meet Moi, OkCupid e outros), ela encontrou diversos problemas. Dentre eles, a falta de clareza sobre qual o propósito do aplicativo (amizades? Relacionamentos? Encontros casuais?). A dificuldade de saber o que exatamente está sendo buscado é um obstáculo em si.
Mulher no centro
Além de melhorar isso, ela propõe uma fórmula para o aplicativo funcionar de verdade entre héteros. A primeira mudança é: mulheres no controle. Homens podem se inscrever, mas somente as mulheres podem fazer buscas e dar início à conversa. Isso evitaria que mulheres “à procura” de alguém fossem inundadas por malucos simplesmente tentando a sorte. É ela que escolhe com quem falar.
Outra ideia é criar um modelo de “recomendações”. Por exemplo, homens usando o aplicativo podem pedir que outras mulheres (como amigas) digam que ele não é nenhum maluco. Assim, fica mais fácil distinguir com quem vale a pena falar ou não. E isso traz mais confiança ao sistema.
Nas palavras de Ann Friedman: “A única forma de fazer uma versão hétero do Grindr é torná-la centrada na mulher”. Até agora ninguém parece ter atendido às sugestões dela. Como boa parte desse tipo de aplicativo é feita por homens, talvez ainda seja difícil conceber um aplicativo em que a ideia é o homem ser escolhido, e não escolher.
*Ronaldo Lemos, 36, é diretor do Centro de Tecnologia da FGV-RJ e fundador do site www.overmundo.com.br. Seu e-mail é rlemos@trip.com.br
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