Por que não há Grindr para héteros?

por Ronaldo Lemos
Trip #214

Lemos: ”As estratégias de paquera gay em geral têm efeito contrário entre héteros”

As estratégias de paquera gay em geral têm efeito contrário entre héteros. Mostrar fotos das partes íntimas provavelmente vai arruinar a chance de um homem marcar um encontro com uma mulher

Se você tem algum amigo gay homem, pergunte a ele sobre o aplicativo de celular chamado Grindr. A chance é de que ele não só conheça, como tenha uma ideia clara de como ele mudou a relação entre gays. O fenômeno adquiriu até contornos pop. Séries de TV, como a cultuada Skins, que trata de adolescentes e é produzida pela BBC, incorporaram referências ao aplicativo no enredo.

Na prática, ele funciona como um acelerador de encontros. Valendo-se do recurso de GPS do celular, o aplicativo mostra fotos de pessoas que estão por perto e à procura de alguém. A partir daí é estabelecer contato e, se houver afinidade, seguir em frente no mundo real. O aplicativo já foi até tema de texto do escritor Santiago Nazarian (bit.ly/Ns4lFa).

O que muita gente se pergunta é: por que não existe um Grindr para o público hétero? Se o aplicativo foi capaz de mudar a dinâmica de encontros entre os gays de forma tão profunda, por que algo semelhante não acontece para quem não é gay?

Uma das melhores respostas foi dada por Ann Friedman, editora executiva da Good Magazine, revista que trata de temas como ativismo político e sustentabilidade e foi quatro vezes finalista ao prêmio de melhor revista dos EUA. Seu diagnóstico é que todas as estratégias que funcionam no mundo da paquera gay têm efeito contrário no universo hétero. Por exemplo, sair mostrando fotos de partes íntimas provavelmente vai arruinar a possibilidade de um encontro.

Ao analisar aplicativos que tentaram adotar o modelo do Grindr para o universo hétero (como o Blendr, Badoo, Meet Moi, OkCupid e outros), ela encontrou diversos problemas. Dentre eles, a falta de clareza sobre qual o propósito do aplicativo (amizades? Relacionamentos? Encontros casuais?). A dificuldade de saber o que exatamente está sendo buscado é um obstáculo em si.

Mulher no centro
Além de melhorar isso, ela propõe uma fórmula para o aplicativo funcionar de verdade entre héteros. A primeira mudança é: mulheres no controle. Homens podem se inscrever, mas somente as mulheres podem fazer buscas e dar início à conversa. Isso evitaria que mulheres “à procura” de alguém fossem inundadas por malucos simplesmente tentando a sorte. É ela que escolhe com quem falar.

Outra ideia é criar um modelo de “recomendações”. Por exemplo, homens usando o aplicativo podem pedir que outras mulheres (como amigas) digam que ele não é nenhum maluco. Assim, fica mais fácil distinguir com quem vale a pena falar ou não. E isso traz mais confiança ao sistema.

Nas palavras de Ann Friedman: “A única forma de fazer uma versão hétero do Grindr é torná-la centrada na mulher”. Até agora ninguém parece ter atendido às sugestões dela. Como boa parte desse tipo de aplicativo é feita por homens, talvez ainda seja difícil conceber um aplicativo em que a ideia é o homem ser escolhido, e não escolher.

*Ronaldo Lemos, 36, é diretor do Centro de Tecnologia da FGV-RJ e fundador do site www.overmundo.com.br. Seu e-mail é rlemos@trip.com.br

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