Pequena História Triste

por Luiz Alberto Mendes

CHATTERTON

 

Do que sei, a gente passa pela dor sem conhecê-la jamais. Dá até para entender algumas coisas. Por exemplo, sabemos que não existe isso de “ir para a frente”; “sacudir a poeira e dar a volta por cima”. O embrulho no estômago, coração varado de tristeza e a angústia fininha atravessando a mente, não vão passar coisa nenhuma. 

 

Mentira dizer que decidimos nossas vidas. De minha pesquisa permanente acerca do humano, descubro que as coisas sempre aconteceram meio que ao acaso. Sempre falta fazer muita coisa. Estar humano é tortura de esperas e faltas. Se há um plano no sentido de completar, ninguém sabe qual é. Provavelmente seja descoberta individual. Dessas herméticas, esotéricas, que a gente nunca sabe no que vai dar.

 

Talvez a única atitude sensata seja tentar compreender e aceitar fatos para trabalhá-los a nosso favor. De alguma forma, somos obrigados a encarar nossas perdas. Incertos do que somos, embora seguros de que não podemos ser diferentes de nós, buscamos marcar posição ao centro, para nos manter flutuando.

 

Voltava da padaria, quando fui agredido por uma cena comovente. Um menino de cerca de 7 anos chorava, gritando que queria Sofia. Estava deitado na calçada em posição fetal. Duas mulheres tentavam arrastá-lo para dentro da casa.

 

Conheço a história e bem por isso doeu fundo. As senhoras haviam sido amigas de minha mãe. Quando Tutinha nasceu, embora preso, soube da notícia. Sofia era menina do bairro que engravidara como estivessem em um brinquedo do Hopi Hari. O pai da criança é um “nóia” que ela nem quer ver. Quando sai da prisão, o menino já estava crescido. Estuda no prézinho com Jorlan, meu filho mais novo. Mora ali na esquina e esta sempre aqui em casa brincando com meus meninos.

 

Foi criado pelos avós. O menino trata a avó e a mãe, por mãe. Não consegue definir quem é a mãe mesmo. Sofia é mais uma irmã que mãe. Sofia ainda é garota, tinha treze anos quando pariu. Quer ser feliz, adora dançar e se enturma com um grupo enorme de jovens. Ela havia conhecido Carlinhos. Estavam namorando já algum tempo e decidiram morar juntos. Ninguém mais quer casar de verdade. Papel atrapalha, quando for separar.

 

Então era isso. Sofia havia mudado para a casa do namorado. Não podia levar Tutinha; não havia espaço para ele lá. Ela e Carlinhos trabalham e querem um lar, junto com o menino. Mas agora ele não esta nos planos. O menino não entende, sente-se abandonado e sofre desesperadamente. Vai passar? Sim, vai, mas a ferida jamais será cicatrizada. Aquele tecido nervoso estará irreversivelmente comprometido.

 

Observando e por dentro pensando no drama do garoto, deu agonia. Ando misturando-me à dor dos aflitos e às vezes me perco em sentimentos de impotência, revolta e desmotivação existencial. Senti vontade de morrer, sumir, desaparecer. Doía demais ver, sentir e nada poder fazer. Viver, naquele momento, era uma merda, estava de saco cheio daquilo tudo.

 

Então, na mente veio a música “Chatterton”, do Seu Jorge. Ele fala que Chatterton suicidou; Kurt Cobain suicidou; Vargas suicidou; Nietzche enlouqueceu, e eu (Seu Jorge), não vou nada bem... Pois é, eu vou pior ainda e nem sei quem é Chatterton. O sentido da vida, para mim, esta no que sinto pelas pessoas. É terrível vê-las sofrer barbaramente, como esse menino e só poder olhar, estupidificado.

Foi um momento muito duro. Minha liberdade tem se esvaído nesse acúmulo de sentimentos não resolvidos. Ao fim e ao cabo, hoje sei, acabamos por aceitar a vida como ela é. Não é maturidade, é desistência mesmo. Viver e estar melhor é tudo o que conseguimos, por enquanto.

 

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Luiz Mendes

09/10/2010.    

 

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