Papo de Escritor I
1) Escrever é sempre mais fácil do que falar. Sempre se pode repensar o escrito e reescrever; voltar atrás, rasgar, modificar, amenizar, carregar nas tintas... Falar é olho no olho, palavra atrás de palavra que nem sempre conseguimos que levem o que realmente queremos dizer. Transformar o pensado em signos compreensíveis, já é um feito e tanto. Escrever e guardar registrado em símbolos, buscando cada vez mais fidelidade ao pensado é um avanço monumental.
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2) Escrevendo ninguém pode nos interromper, tomar a palavra, discutir, como quando estamos conversando. Por exemplo, podemos soltar nossos bichos, chorar, xingar, brigar, amar... o tempo que desejarmos.
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3) O ato de escrever é um ato solitário. Embora as experiências com Oficinas de textos demonstrem que texto elaborado em grupo é muito mais eficiente, objetivo e abrangente (embora nada poéticos). Talvez o texto coletivo não seja literatura. Mas, mesmo aquele que escreve sozinho, esta socializando seu texto ao colocá-lo no papel. De algum modo quer ser lido. Mente todo aquele que diz escrever para si.
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4) Todos, sem exceção, começam a escrever muito mal. Até os maiores e mais consagrados escritores tiveram que aprender a escrever. E começaram bem ruins. Há tendências, habilidades pessoais que podem ser desenvolvidas, mas ninguém nasce sabendo, isso é básico.
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5) Diante uma folha ou uma tela em branco, nunca temos certeza do que vai sair. Antes de termos a folha ou a tela diante nossos olhos, sabíamos o que devia ser escrito. Mas já agora, são tantas alternativas, possibilidades e implicações... Impossível saber o que vai sair.
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6) O texto tem vida dentro de quem esta escrevendo e que vai se completar ao adquirir vida dentro de quem estiver lendo.
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7) O livro é atemporal. Livros escritos há 10 mil anos como o Livro dos Vedas, ou a Biblia, se abstrairmos o sagrado deles, veremos que são compostos de histórias comoventes de povos, pessoas e seus deuses. As histórias desses povos e pessoas estão ali naquelas palavras, vivas ao ponto de nos emocionar profundamente ainda hoje. Há textos eternos, como “Odisséia” de Homero e “Banquete de Platão”, por exemplo. Discussões milenares, como as promovidas pelos pontos de vista discordantes de Platão e Aristósteles. Estão ainda em pauta nas Universidades e centros culturais do mundo todo. As idéias geniais de Shakespeare estão por trás de quase todas as novelas e filmes atuais. E ele nasceu em 1.564 para morrer em 1.616. Há críticos que afirmam que depois do grande vate britânico, não apareceu mais ninguém com idéias tão originais e todos o copiaram de um modo ou de outro.
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8) As idéias são compostas ou capturadas pela mente e presas às folhas ou tela pela palavra. As palavras estão ali, ameaçadoras como no enigma da Esfinge egípcia: “decifra-me ou te devoro!” Aquele que se atrever a ler deve possuir a chave para abrir o cofre em que as palavras aprisionaram as idéias. Ou seja: vontade; entendimento da palavra; conhecimento das regras do idioma; e capacidade de interpretação.
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9) Texto é essencialmente trabalho, suor e desgaste. O escritor é a necessidade de escrever que não pode ser delegada. Bernard Shaw dizia que escrever ou é fácil ou impossível. Concordo. Mas esse “fácil” deve ser colocado em termos. A idéia original, inusitada e inaugural pode vir fácil para algumas pessoas, mas a partir daí, texto é trabalho cerrado. Estudo concentrado de palavra por palavra, período por período, parágrafo por parágrafo. Texto que flui fácil de ler, foi difícil de escrever. Quem escreveu trabalhou duro. Ao contrário, textos difíceis de se ler, intrincados e truncados, são os que o autor negligenciou quem vai ler. Claro, também é o prazer de pensar e fazer ao gosto, como um bom prato de comida. Algumas pessoas têm grandes idéias, mas não conseguem um bom texto. Outras têm um excelente texto, mas estão vazios de idéias. Escritor é aquele que tem boas idéias e um bom texto para dizê-las.
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10) Não existe nada que seja realmente bom que não exija disciplina. De tempo, de hábitos, saúde, estudos, de vida. Podemos escrever bem a qualquer momento, mas se conseguirmos ter um horário para escrever, o trabalho cresce e se desenvolve. Alguns hábitos são extremamente importantes: Ler, por exemplo. Não conheço nenhum bom escritor, mesmo na história, que não tenha sido um grande leitor. Escrever diariamente e sobre tudo é um excelente exercício. Às vezes sobre uma plantinha no vão esverdeado do muro.
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Luiz Mendes
26/11/2009.