O amor continua sendo uma complicada lição, dentro ou fora do cárcere

Conheço muito pouco de convivência a dois. Quase todos os meus relacionamentos de natureza íntima eu vivi aprisionado. Amei desavergonhadamente, até que tudo ficasse dolorido demais para ser vivido. Parece que o que doía era o que fazia amar. Era como se a dor libertasse o que o amor despojava.

O mais dolorido de estar preso é ficar longe de quem amamos. Mas não amar ninguém é pior ainda. O tempo parece que pára nos dias sem amor. Se lá dentro da prisão contava muito a presença de outras pessoas nos dias de visita, nos demais dias, que sempre foram muitos, ficava tudo por conta da imaginação. A rotina tediosa dos fatos sempre podia ser esquecida. Somente o que havia sido prazeroso e mágico sobrevivia na memória. Então, vivíamos o irreal, aquilo que não condizia com a dureza de nossas vidas.

Amar aqui fora não é muito diferente. Afinal, o coração bate acelerado do mesmo jeito. Mas a realidade jamais consegue encarar a imaginação frente a frente. Sempre sai perdendo. Aqui fora, a liberdade não é tão livre assim. O amor não é tão diáfano quanto imaginamos. Não faz levitar. Não há qualquer garantia de duração ou continuidade. A única certeza é que tudo deve ser uma conquista ininterrupta. Qualquer palavra mal colocada pode ser fatal. Relação a dois, antes de tudo, exige respeito. Paciência para ouvir argumentações e vontade para refletir e compreender.

Respeito é bom

Respeitar, às vezes, significa relevar, fazer vistas grossas. Silenciar, numa palavra. O amor é um desses quesitos básicos para que a relação íntima possa dar certo. Não se basta em si. Carece de recursos outros que nem sempre temos disponíveis. Então, podemos fracassar. Tudo bem, somos humanos. Os únicos cujos fracassos sedimentam vitórias.

Importa ver tudo com os olhos da realidade. Tudo o que temos são nossas experiências acumuladas que formam nosso conhecimento particular. O resto está sempre de passagem. As cores esmaecidas não podem ser apagadas. A lembrança busca carregar nas tintas e colorir as fases mais agradáveis.

A mente tende a revisar a realidade, transformando-a em algo possível de ser superado. Por isso, por mais que soframos com a morte de alguém querido, a tendência é amenizar a dor até que assimilemos o golpe.

São raras as pessoas que conseguem se relacionar entre si com a maior leveza do mundo. No geral, pelo que pude constatar aqui fora, relacionamento íntimo é esforço constante. Tudo parece estar por um fio, como uma réstia de luz desmanchando a penumbra. É preciso traçar novos vôos, um longo gesto para alcançar alguma coisa, mesmo que não saibamos o quê.

Estou aprendendo. Meu último relacionamento a dois me ensinou que a vida é a força que se move para além da imaginação, encaminhando-nos para a realidade. O sentimento que nos unia virou bem-querer profundo, quiçá amor de verdade, desejo de felicidade sem posse. A relação a dois diluiu-se, mas deu certo. Pelo menos esse é o gosto que sinto. Não houve vencedores porque não saímos perdendo, muito pelo contrário. Hoje, solteiro, percebo que meus sonhos não eram falsos porque me fartaram de ensinamentos. Com certeza, da próxima vez, estarei mais capaz.

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