O Inferno sem Dante

por Luiz Alberto Mendes

Em Choque

 

Havíamos combinado Dany e eu, que na sexta iríamos fazer visita à Delma. Dany é uma jovem de vinte e poucos anos a quem estimo imensamente. Sempre me acompanha em certas missões que nem sei por que, acabo por assumir. Delma é uma nova amizade que venho cuidando de uns tempos a essa parte. Quando descobri que ela estava fumando crack, compreendi as atuações dela que me intrigavam. Naturalmente as outras pessoas se afastaram. Ela estava viciadíssima. Só não “nóia” porque tinha casa, um filho de 15 anos e um mínimo de estrutura depois de anos de trabalho.

Era escondido, igual adolescente, mas já fora de controle. Estava vendendo as coisas da casa para comprar droga. Seu filho, garoto de 15 anos, julgou-se no direito, por conta dos vícios da mãe, de se tornar viciado também. Visitá-los era presenciar a mãe fumando aquela coisa amarelada sentada à mesa e o filho cheirando pó nas costas do violão, sentado na cama. Os coleguinhas do filhos, 3 ou 4 moleques aqui do bairro, aproveitando para cheirar também. Um ambiente em que a gente não sabe se corre ou se relaxa e fica a espera do pior.

Delma estava consciente. Foi ela quem pediu a internação. Havíamos tentado um tratamento da Prefeitura aqui, no CAPS. Mas ela fracassou no autocontrole. Sua auto-estima despencara para o chão. Ela queria sair, sofria muito. A consciência do filho viciado judiava, a moía por dentro. E o garoto apelava, humilhava a mãe para conseguir comprar sua droga. Começou vendendo o aparelho de DVD, depois a televisão, ferro de passar roupa, roupas...

Por sorte outras pessoas gostam dela também. Ela tem boas amigas. Claro, tem sanguessugas que, infelizmente, são a maioria. Mas elas se uniram e procuraram o mandato de internação involuntário. Todos os que gostam dela colaboraram. Conseguimos o capital para dar entrada na clínica (que não é pouco). A internação é por um ano. Ela sabia e queria agora. Continuara pagando as mensalidades da clínica com seu trabalho lá dentro. Laborterapia é uma das técnicas usadas na clínica.

Sexta-feira foi seu ultimo dia conosco. Sábado às 4 horas da manhã seria levada à internação. Sexta foi o “bota-fora” e, quando da minha amiguinha chegou do trabalho, fomos direto para a casa da Delma.

No processo de tentar colaborar, eu a escutei muito. Trocamos e dividimos angustias, dores, sofrimentos, tristezas, melancolias, nostalgias... Ela é extremamente sensível e delicada, apesar da droga. Toca violão e canta com a alma. Estava que era só pele e osso, e a pele acinzentada dos nóias. Era a única pessoa das minhas relações que escutava comigo as músicas e shows que aprecio. Curtíamos, cantávamos juntos e até dançávamos um pouco; ela cansava rápido. Era um prazer aparecer cada dia com musica nova e diferente para apreciarmos juntos. Os prazeres da vida são sempre melhores se compartilhados.

Sexta pensei encontrar ambiente agradável, com amigos, abraços, beijos, lágrimas e essas coisas normais de despedida. Mas aquilo estava um inferno. Os amigos drogados tomaram conta. Ainda consegui um cantinho com a amiga e ficamos conversando. Ela me contava que começou a usar o crack quando abrigou em sua casa uma pessoa muito infeliz. Exatamente quando ela falava, chegou a pessoa falada. Estava vindo ver o efeito de sua obra. Para que buraco levara a amiga que a abrigara.

O ambiente ficou excessivamente pesado. Ela nos abraçou tremendo e chorando. Estava com medo do que ia acontecer a ela e ao filho viciado. Ele voltará para o Norte do país  para morar com o pai. Não queria, mas foi obrigado. Nos despedimos, chorando também, e saímos andando, fugindo daquele lugar. Sábado cedo fui procurar e soube que ela foi mesmo levada para a clínica. Havia me deixado um CD da Mariza Montes que nós dois amamos muito. Esta lá, tocando agora: “Tem que seguir, depois de tudo e ainda ser feliz... Mas já não caminhos pra voltar...”

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Luiz Mendes

20/12/2010.      

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