Sebastião Salgado, José Bové e a esquerda mauricinha européia acham bonito o que não é espelho
Mês passado foi inaugurada uma exposição de fotografias do Sebastião Salgado no Barbican Centre aqui em Londres. Não sei se o trabalho desse nosso filho pródigo é muito conhecido no Brasil. Mas na Europa o Sebastião Salgado é provavelmente o mais conhecido fotojornalista da atualidade. A exposição Exodus, que retrata diversas populações de refugiados em todo o mundo, é um verdadeiro triunfo de bilheteria e de crítica.
O público, bem educado e bem vestido, entra na fila depois do almoço de domingo, paga o equivalente a 30 reais por ingresso e tem o privilégio de ver lindas fotografias de gente invariavelmente pobre, maltratada, faminta e triste. As fotos são todas num impecável preto & branco que distancia, filtra e idealiza a miséria. A composição virtuosa das fotos atribui à miséria humana um caráter fantasioso, como se a realidade retratada ocorresse em um outro mundo. Alguns retratos chegam a lançar mão de sutis efeitos especiais e a cabeça das criancinhas pobres "que nunca sorriem" é envolvida por uma tênue auréola, como se fossem santinhos.
Sebastião Salgado é sem dúvida um grande mestre da fotografia. Só mesmo um virtuoso conseguiria retratar a tragédia de pobres e oprimidos de forma tão bonita e digerível, para não ofender o bom gosto e os delicados estômagos europeus. A desgraça alheia é um artigo de consumo como qualquer outro. O público paga para sentir pena dos outros, para se masturbar com pornografia humanitária. E depois dessa exposição hipócrita, pode-se pegar uma telinha ou comer uma pizza de mussarela de búfala com tomates secos. A Europa adora sentir pena de pobre. Porque o sentimento de pena "ao contrário da compaixão" camufla uma porca vaidade. Quem sente pena está por cima e pode se dar ao luxo de ser generoso. Já o objeto da pena é sempre um coitado.
O Brasil é muitas vezes tema dessa relação dos bonzinhos com os coitados. Europeu goza nas calças ao ver favelas e menores abandonados. Em Paris, abriram um bar com o nome de Favela Chic (onde o preço da caipirinha, em euros, equivale a 20 reais). Não sei quanto o Sebastião Salgado ganha, mas para mim isso é irrelevante. Não acho que só porque ele retrata a miséria, a sua responsabilidade com relação a ela seja diferente da minha ou da de qualquer outro ser humano. Considero o trabalho dele ruim. Mas o meu problema é com a esquerdinha liberal européia, fofinha e mauricinha, que o aplaude com as mãos cheias de sangue.
Ativismo com subsídio
Sabe aquele francês bigodudo com cara de Asterix, o José Bové? Ele é líder dos fazendeiros franceses e virou herói do movimento antiglobalização porque gosta de depredar McDonald's. Mas em nome do que exatamente ele ataca com tanta fúria o imperialismo americano?
Vamos lá: não é só na Índia que as vacas são sagradas. Na Europa também. Todo e qualquer bovino europeu recebe um subsídio diário equivalente a 10 reais, muito mais do que muitos seres humanos em países pobres. Porque subsidiada, esta carne européia ? assim como tantos outros produtos agrícolas ? pode ser vendida nos países pobres a preço de banana. O pobre agricultor africano não consegue competir e passa fome. Pois bem, é defendendo essa política assassina de subsídios que José Bové depreda McDonald's.
Também sou contra o imperialismo e não gosto de Big Mac. Mas prefiro um inimigo declarado do que um falso amigo. Socorro! Boas intenções estão nos levando para o inferno. Quem é rico deveria simplesmente dar o que é devido a quem é pobre ? e parar de derramar lágrimas de crocodilo diante de fotos de criancinhas com nariz melequento.