Noite transformadora

por Cleiton Campos

Trip Transformadores 2014 prestou homenagem às pessoas dedicadas a mudar o mundo

A oitava edição do prêmio Trip Transformadores, reuniu nesta quarta-feira, 5 de novembro, no Auditório do Ibirapuera (recém batizado de Auditório Oscar Niemeyer) pessoas que que atenderam uma espécie de chamado para construir um mundo mais justo. Fernanda Keller, Dira Paes, Alessandra Orofinio e Miguel Lago, Claudio Sassaki, Irene Adams, Augustin Woeltz, Maria Berenice Dias, Erica de Paula, Julio Cesar da Silva Lima, Marcelo Rocha, mais conhecido como Dj Bola, pessoas de diferentes idades, profissões e classes sociais, mas uma coisa, os homenageados desta edição têm em comum: estão determinadas a transformar a realidade a sua volta.

O movimento Trip Transfomadores já havia começado quando o mediador de conflitos Willian Ury veio a São Paulo explicar a importância de saber ouvir.  Em Nova York, o Trip Transformadores colocou o highline de Nova York para dançar forró com o documentário de Dominguinhos e show da Mariana Aydar, e também, já havia também homenageado os 70 anos de Chico Buarque.

Novamente, quem comandou a cerimônia foi o ator Lee Taylor. No discurso que deu início à noite, Paulo Lima, publisher da Trip Editora, fez questão de salientar que “este é um prêmio para aqueles que acreditam que as coisas só estarão boas quando estiverem boas para todos”.

E como toda boa festa, a nossa também começou com música, não qualquer música, mas aquela tem na transformação sua maior fonte: O artista visual  mexicano Pedro Reyes conseguiu 6.000 armas apreendidas dos narcotraficantes do México e, num trabalho minucioso, construiu instrumentos musicais a partir desse arsenal. Assim nasceu o Disarm, uma poética banda robotizada, que extrai sons e harmonias do mesmo metal que um dia foi usado para o crime. O Trip Transformadores convidou um músico genial brasileiro, vítima de uma arma como essa, para se unir ao  Disarm: Marcelo Yuka. Música, apesar de tudo.

O primeiro homenageado da noite foi Augustin Woeltz. Ao ser demitido, o engenheiro eletricista, viu a sua frente a oportunidade de poder se dedicar a um sonho: instalar um aquecedor solar em cada lar brasileiro. O objetivo ainda não se cumpriu, mas a ONG Sociedade do Sol desenvolveu um modelo simples e barato e hoje mais de 100 mil casas já tem seus banhos aquecidos pela criação de Woltz. “Tudo isso é fruto de muito amor no coração, ainda mais para quem trabalha sem receber nada, tem que ter amor dobrado”, declarou ao receber o prêmio das mãos de Artur Grynbaum, presidente do Grupo O Boticário, parceiros do Trip Transformadores desde 2008.

Na sequencia, sobem ao palco o casal Tadeu Jungle e Estela Renner. O diretor e roteirista de cinema, televisão e publicidade foi o responsável pelos filmes dedicados a cada homenageado, exibidos durante a premiação. Já a cineasta Estela Renner é diretora do filme “Muito além do peso”, filme que colocou a obesidade infantil em pauta. O casal apresentou então, a segunda homenageada da noite, uma mulher que gosta de romper barreiras. Maria Berenice Dias mudou a história do casamento no Brasil ao assinar, em 2000, a primeira sentença reconhecendo a união homoafetiva, termo cunhado por ela. “Sempre que alguém me dizia não, eu insistia em dizer sim e essa postura foi a que me levou a ser a primeira mulher a lutar pelos direitos da população LGBT. Nosso legislativo é muito preconceituoso”, diz.

Sua decisão obrigou os brasileiros a reconhecer a enorme diversidade de relações existentes fora do papel. Defensora dos direitos das mulheres, seu nome está ligado à elaboração da Lei Maria da Penha, aos projetos de direito de divórcio, de paternidade presumida e do Estatuto das Famílias. Ao aposentar-se, fechou o gabinete de desembargadora para abrir outra porta inédita: o primeiro escritório de direito homoafetivo do Brasil, que defende gente que quer ver atendidos os direitos dos homossexuais. 

A terceira homenageada é uma mulher de olhar sensível. Erica de Paula é psicóloga, doula, educadora perinatal, acupunturista de gestantes e bebês e coordenadora de grupos de apoio a gestantes em Brasília, ela concebeu, produziu e escreveu o documentário O renascimento do parto. Lançado em 2013, o longa-metragem gerou um debate nacional ao mostrar a triste realidade das maternidades no Brasil, o único país no mundo em que as cirurgias cesarianas respondem pela maioria dos nascimentos de crianças. Para Erica, a cesariana desempodera a mulher ao tirar da mãe a chance de fazer a única coisa que só ela pode fazer. O prêmio foi entregue por David Feffer, presidente do Grupo Suzano, incentivador e parceiro do Prêmio Trip Transformadores desde 2008. “Pra mudar o mundo, primeiro precisar a forma de nascer”, citou a homenageada. Outra pausa para a música, desta ao som da banda carioca Baleia.

Lee Taylor voltou ao palco, e convidou Eduardo Tracanella, superintendente de marketing do Itaú, parceiro do Trip Transformadores desde 2011, para apresentar a próxima homenageada: Irene Adams. Na década de 80, precupada com a disseminação do então recém descoberto vírus HIV, criou com recursos próprios e doações um serviço de informação e prevenção da doença entre os meninos de rua de Belo Horizonte. O que começou como uma pequena clínica no porão de uma igreja foi aos poucos se desenvolvendo e abrigando outros serviços sociais. “A pessoa que tem AIDS e sabe que pode morrer sofre de culpa e vergonha. Uma vez que conheci essas crianças e percebi a humanidade delas, eu mudei. Esse projeto é significado de amor e deu significado à minha vida”, confessa Irene. Hoje, viúva e avó, a médica contabiliza mais de 2.500 afilhados: meninos e meninas de famílias desestruturadas, que ela e sua equipe ajudaram de alguma forma. O significado da sigla que dá nome à clínica, Ammor, mudou ao longo do tempo: o que antes era Atendimento Médico aos Meninos de Rua virou Ação Multiprofissional com Meninos em Risco.

Nossa próxima homenageada, a atriz Dira Paes, não pode contem a emoção e veio às lágrimas assim que recebeu o prêmio das mãos de Monja Coen (homenageada na edição de 2008). A estrela de TV é também uma ativista atuante à frente da ONG Movimento Humanos Direitos, criada por artistas na defesa de causas socio-ambientais, com ênfase no combate ao trabalho escravo, à exploração sexual infantil e pela demarcação de terras indígenas e quilombolas. Como diretora do Humanos Direitos, esteve à frente de uma campanha para coletar 100 mil assinaturas como forma de pressão pela aprovação da Proposta de Emenda Constitucional do Trabalho Escravo, que entre outras demandas exigia o confisco da terras cujos proprietários fossem flagrados submetendo seus trabalhadores em práticas análogas ao trabalho escravo. “Os conflitos foram ficando cada vez mais intensos desde a década de 90 e o que vai dando terror na gente é a impunidade. Se a impunidade existe onde está tudo perto, na cidade, com imprensa… Imagina no lugar que demora 25 horas pra chegar de barco?”, desabafou Dira.

Para apresentar o prêmio seguinte, Negra Li na companhia de Marcello Serpa, sócio co-presidente do board da Almap BBDO, que incentiva o Trip Transformadores prêmio desde o início, há oito anos. Negra Li, preferiu apresentar o próximo homenageado cantando, Marcelo Rocha, o Dj Bola, foi um dos protagonistas do movimento que tirou o Jardim Ângela da lista de lugares mais violentos do mundo, triste posição que o bairro ocupou ao longo dos anos 90. Ainda em 2000, criou a Banca, uma produtora musical, cultural e social com o objetivo de ocupar o espaço público abandonado pelo governo e pela população. Criando alternativas para a juventude do bairro, deu pra molecada opções além do tráfico. Bola e seus parceiros já promoveram mais de 70 eventos e ajudou a lançar dezenas de músicos que, na época, não dispunham de canais para a livre expressão. E claro, um DJ não poderia subir num palco sem mostrar os dotes musicais, Bola se apresentou então com o MC Kapoth, esquentando a plateia para o show seguinte, da eterna diva Elza Soares, que cantou acapella A Noite do Meu Bem, de Dolores Duran.

De volta às homenagens, a apresentadora de TV Titi Müller e  Marcelo Olival, gerente executivo de vendas e marketing da Volkswagen, chamam ao púlpito Claudio Sassaki, fundador da  Geekie, empresa de tecnologia que desenvolve aplicativos para ajudar escolas e professores a customizar o ensino de acordo com as necessidades de cada aluno. Em 2013, a empresa emplacou seu primeiro grande sucesso: uma plataforma preparatória para o Enem que foi usada por 2 milhões de alunos no país, gratuitamente. “Ajudar as pessoas a descobrirem o potencial que elas tinham foi transformador pra mim”, contou Sassaki. Hoje, a cada contrato firmado com uma escola privada, a empresa se compromete a oferecer o serviço de graça para uma escola pública.

Na sequencia, Vasco Manoel Feijó Luce, presidente da divisão de Bebidas da Pepsico América Latina-Sul, empresa parceira do prêmio através da marca Kero-Coco o surfista de ondas gigantes Carlos Burle, apresentaram a homenageada seguinte, a superatleta Fernanda Keller. Cinco vezes campeã da maior prova de triatlo do Brasil, a triatleta sempre procurou ajuda para poder dar o melhor de si nas pistas e raias, e por isso criou o Instituto Fernanda Keller que já ajudou mais de 6 mil crianças e jovens de baixa renda da rede pública de ensino, com idades entre 7 e 18 anos, a construir cidadania a partir da prática esportiva. “Se confunde ação social com caridade. Quero inspirar outras pessoas a acreditarem no sonho delas, a minha ferramenta é o esporte”, declarou Fernanda.  As atividades do instituto vão desde aulas de esporte, como triatlo, vôlei e tênis, até cursos de desenho e programas de saúde e nutrição de crianças, passando por biblioteca móvel e bolsas universitárias.

Pausa para a música. Elza Soares volta ao palco, agora acompanhada pela banda Baleia, para uma genial versão de Noite de Temporal de Dorival Caymmi. Tudo perfeito para o próximo homenageado, ou melhor, a dupla de homenagedos Alessandra Orofinio e Miguel Lago, criadores da plataforma Meu Rio. Ele, cientista político; ela, economista, a ideia é simples aproximar os cariocas de seus governantes. Resultado: mais de 100 mil cariocas já se engajaram em ações propostas, que não se limitam ao município. Cidadãos mobilizados já conseguiram impedir cobranças indevidas por concessionárias de serviços públicos, evitaram o fechamento de escolas e botaram deputados estaduais para trabalhar. “Se as Jornadas de Junho ensinaram alguma coisa é que não falta vontade de participar, mas canais para participar da mudança”, ponderou Miguel, ao recebe o prêmio de Paulo Kakinoff, presidente da Gol Linhas Aéreas Inteligentes, apoiadora do prêmio desde a primeira edição em 2007.

E, por fim, o décimo homenageado, Julio Cesar da Silva Lima, um apaixonado por moda desde criança, que soube enxergar a beleza das comunidades do Rio de Janeiro. No Jacarezinho, onde mora, de repente havia um mundo fashion: viu modelos entre as meninas da vizinhança, estilistas entre as costureiras, cabeleireiras nos salões de beleza. Juntou tudo e criou o projeto O jacaré também é moda, que há mais de uma década promove desfiles anuais para revelar a beleza das meninas da comunidade. Julio recebeu o troféu das mãos do criador da própria estatueta, o designer e arquiteto, Carlos Motta, membro do conselho editorial da Trip.

Pra fechar a noite em grande estilo, a dupla Cidinho e Doca, autores de uma das músicas mais transfomadoras da história da MPB, o Rap da da Felicidade. Acompanhados pelos dançarinos do Bonde do Passinho, ao som do refrão “Eu só quero é ser feliz”, subia o fundo do palco do auditório, revelando revelando o parque do Ibirapuera vazio e o céu. Até 2015!

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