por Luiz Alberto Mendes

MORTE

 

O tema da revista Trip desse mês, é sobre a morte. Apresentei três textos e o editor, Ricardo Calil, optou por um pequeno conto bastante representativo. Mas sobraram os dois textos que me pareceram significativos para ficarem no arquivo do computador. Abaixo o que considero mais real, embora bem pessoal. Sabe, estive pensando que se fôssemos felizes ou tivéssemos paz, liberdade, trabalho e prazer, talvez não fosse tão difícil morrer. Morremos frustrados, descontínuos e intranqüilos. Tememos pelo futuro dos que amamos à nossa falta. O mundo sempre fica a nos dever a promessa de amor e alegria que nos fizeram na infância. Vamos ao texto:

 

                               MORTE

 

“E farei a morte como faço amor:

  De olhos aberto.” Aragon

 

 Sim, eu creio que farei minha morte, assim como faço a vida. Atabalhoadamente, cheio de dúvidas sobre atitudes a serem tomadas. Com certeza, no momento em que perceber que estou morrendo, que é mesmo inevitável, vou ficar ansioso de curiosidade sobre o que e como vai ser daí para frente.

Claro, vai pegar e fortemente, a preocupação em como deixo os que dependem de mim. Queria esse tempo de construir escoras, pelo menos até que meus filhos pudessem seguir por seus próprios passos. 

Como todo pai, estou consciente de que não tenho poder algum, muito pelo contrário. Não sou capaz de diminuir em uma única lágrima a dor que meus filhos possa carregar em si. Não poderei tomar para mim nenhuma das dores que lhes estarão reservadas. Serei obrigado a vê-los sofrer e apenas sofrer junto.

Minha morte se dará a partir de minha própria vida. Talvez minha morte se dê na medida em que minha idade for fechando o leque de meus possíveis, retraindo o campo de meus projetos. Com o tempo vou participar cada vez menos do processo da existência geral. Logo ultrapassarei meu limite de utilidade existencial e morrer, então, será uma realização para mim e para o mundo.

Jamais consegui me situar no que as pessoas têm como normal. Isso já me fez muito mal. Não queria ser pior ou melhor que ninguém, só não aceitava ser igual à mediocridade reinante. Só fui vencer essa deficiência quando percebi que o que se conceitua como normal é uma insanidade maior que a minha dificuldade em aceitá-la.

A morte é outra coisa que discordo de quase todo mundo. Os argumentos existentes não se sustentam. Não acredito que seja algo a se temer. Provavelmente seja muito pelo contrário e quando for da natureza, vou realmente estar querendo.

Vivi espalhado sem saber onde começava ou terminava. Perdia-me longa e espaçadamente. Acho que ao morrer conseguirei alguma unidade. Tenho a impressão de que tudo se reunirá e eu vou entender porque de tudo isso; tanta dor, tanta emoção e tanto medo. As respostas devem existir.

No momento, a conclusão é que a morte é como sexo: assunto íntimo demais para virar verdade. Todos mentem, de uma forma ou de outra. No paralelo ou no oficial, escondemos a morte e o sexo porque muito pouco conhecemos disso, mesmo nós, os diretamente envolvidos. É mentira quando afirmamos que desejamos um mundo transparente, sem segredos. O segredo e a hipocrisia são estruturas importantes na delicada e brutal condição humana.

Queria uma morte lúcida e meio que voluntária. Um despojamento derradeiro. A morte, então, não terá nada a tomar de mim. Já não poderei participar ativamente, amante, feliz, da vida que me cerca. Nada terei que me prenda a esse mundo. Vou, nesse momento, preferir o que virá a seguir, sem dúvida.

Composto por Luiz Alberto Mendes em 21/7/2009.

 

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