Mombojó: amigos do tempo

por Diogo Rodriguez

A banda fala do disco novo, da vida em São Paulo, futebol e de videogame

 

O Mombojó já passou por muitas, e algumas não tão boas. Uma vez já foram promessa da música alternativa brasileira com o disco Nadadenovo (2004) - um dos primeiros a ficar disponível para download gratuito por iniciativa da banda, o grupo teve de lidar com momentos pesados. Em 2007, Rafael Torres, multiinstrumentista, faleceu, vítima de um infarto. Um baque intenso para quem estava lançando seu segundo disco (Homem-Espuma, 2007) e planejando se mudar para São Paulo.

Outra baixa veio em 2008, outro baque a ser absorvido: Marcelo Campello saiu da banda. Um quinteto a partir de então [Felipe S., Chiquinho, Marcelo e Vicente Machado e Samuel] , o Mombojó se impôs um período de retiro sem lançar material novo para tentar uma reconfiguração. Continuaram os shows com o Del Rey (banda de covers da jovem guarda) e a vontade de fazer música.

No dia 7 de junho, o silêncio vai acabar. Amigo do Tempo, o novo disco, vai chegar à internet de graça, como já havia acontecido com os álbuns anteriores (a previsão de lançamento do CD é 19 de junho). Poderia-se pensar que os traumas seguidos haveriam de deixar os recifenses amargurados e desconfiados da passagem dos anos. Porém, o título do novo trabalho e a conversa que a Trip teve com Chiquinho, Felipe e Marcelo desmentem essa teoria. A tristeza deu lugar à união; a promessa virou experiência. Querendo superar os maus momentos, o Mombojó lembrou Rafael, falou sobre a saída de Marcelo e confessou que talvez, sim, o vício em videogame tenha atrasado o lançamento do novo disco.

O que mudou na banda desde o começo da carreira?
Marcelo
A época da nossa primeira turnê [2004] era uma curtição muito grande. Você está entre amigos, tocando, o pessoal recebeu a gente muito bem. O primeiro show em São Paulo foi no Sesc Pompeia, todo mundo sabia as músicas, até pela distribuição pela internet. Para a gente era muito bom. Estava entre amigos, acabava de tocar, ia tomar uma birita juntos. No outro dia, tinha mais curtição. O financeiro era muito tranquilo também, os pais ajudavam

Chiquinho Os "paitrocinadores".

Marcelo Hoje em dia todo mundo tem casa aqui, antes a gente ficava na casa de amigos, não tinha custo.

Chiquinho Hoje tudo tem que ser mais bem-pensado mercadologicamente. O espírito de curtição da gente continua, não quero nunca perder isso, mas com a experiência aprendemos a nos articular para que a coisa possa ser maior.

Felipe Com certeza a gente nunca mais vai conseguir resgatar aquilo que a gente tinha aos dezessete anos. Por mais que as pessoas que gostam da banda queiram um outro Nadadenovo, não dá, o tempo não volta atrás.

Vocês eram mais inocentes?
Chiquinho
Com certeza. A noção de responsabilidade era bem menor. Hoje em dia a gente está assumindo mais funções além de tocar e ensaiar, isso é uma mudança grande. Além da produção toda do disco, produção executiva, o projeto gráfico, merchandising. A gente está sendo o cérebro de tudo e temos nossos braços, que são nossos amigos e as pessoas que trabalham com a gente.

Felipe Estamos aprendendo, colocando em prática o que aprendemos com os erros. Nesse disco a gente tentou explorar ao máximo o que os cinco podiam dar para a banda. Pelo fato de um dos nossos amigo ter morrido, os laços afetivos aumentaram. Aquela coisa de "vamos nos juntar para não deixar a peteca cair", independente do mercado. Por mais que o empresário diga "vocês não estão lançando disco, caindo no mercado", isso não era preocupação da gente. Nossa preocupação era fazer show e as pessoas que iam ao show gostarem.

Que erros vocês cometeram?
Felipe Desde a produção do disco, que no último a gente assumiu mais... Tem aquele grande xis da questão: tem show que não oferece uma grana boa, mas oferece outras coisas legais. A gente tem que ter vivência para não cair em roubada. A gente tenta tocar no máximo de lugares, mas mantendo um padrão. Não fazemos tanto show como outras bandas de Recife por causa disso. A gente gosta de fazer sem ter aquela preocupação: "Pô, tá dando errado". Show é uma coisa muito emotiva, eu me envolvo muito na hora. Eu tô falando de mim para os outros, junto com todo mundo. Mesmo quem não está cantando está falando de si próprio para os outros, tocando, colocando ideias musicais.

Como foi mudar para São Paulo? Por que tomaram essa decisão?
Marcelo Precisa vir para São Paulo para viver de música. Em 2007, quando estávamos procurando casa, ia morar tudo mundo junto, Rafael morreu. Não foi dessa vez. Já estávamos andando pela Paulista procurando casa. Esperamos a banda se recuperar, um integrante saiu [Marcelo]. Só chegamos aqui no fim de 2008.

Felipe Independentemente da profissão e carreira, eu gosto muito de morar em São Paulo. Seria possível morar aqui mesmo não sendo músico. Aqui é o lugar onde tudo converge.

Marcelo A gente sempre volta para Recife. Em julho vamos fazer pelo Nordeste e por lá. É um movimento necessário para a banda. Não consigo imaginar a gente passando o ano todo em São Paulo. A gente gosta daqui, contanto que volte um pouquinho para Recife.

Felipe Eu não tenho vontade de voltar a morar em Recife. Tô querendo criar raízes aqui. Você fica morando em São Paulo, mas como se estivesse de passagem. Acho que aqui vai ser o melhor lugar para projetar minhas ideias.

Marcelo Em São Paulo, é a primeira vez na vida que eu me vejo negando oportunidades. São muitas coisas, se você aceitar tudo, fica louco. Em Recife, nunca tinha sentido isso. É boa essa sensação de que se uma hora não tiver nada para fazer, vai ter aquela coisinha.

A cidade mudou seu jeito de compor?
Felipe Muita gente comenta comigo do sotaque. No disco tem e no show vou perdendo. Pô, [força o sotaque] não vou cantar o resto da minha vida falando o mais nordestino possível. Talvez eu tenha que me concentrar mais em ouvir o disco e fazer igual. Não gosto de me preocupar, não. Eu me incomodo porque parece que as pessoas querem criar uma fórmula do que é o Mombojó. A gente quer diversificar nossas ideias. Cada um pensa diferente e cada um dialoga muito bem musicalmente. É isso que torna a coisa saudável. No segundo disco esperavam sambinhas, sotaque pernambucano carregado e a gente estava mais preocupado em ampliar. Não é nossa ideia criar uma estátua do que fomos em 2004.

Marcelo O que falta em São Paulo para a gente compor como faz em Recife, é que lá, antes do disco, a gente tenta sair da cidade e ir para um sítio. Levamos o equipamento e compomos, tranquilos. Aqui, a gente ainda não tem isso. Com o tempo, quem sabe, a gente não fica por aqui, num lugar parecido.

Além da música, qual é um interesse comum da banda?
Felipe
Em comum, futebol é o maior interesse.

Chiquinho Em todos os sentidos.

Felipe A gente se organiza pra jogar peladas durante a semana, tem brigas de gritar um com o outro. A gente comprou o videogame com a grana da banda e só tem um jogo: futebol. Organizamos um campeonato de bandas tipo RockGol em Recife, chamado MangueGol. Esse ano foi o primeiro.

Para que times vocês torcem?
Felipe Eles dois são Sport, eu Santa Cruz.

Marcelo Tem mais um do Sport e um do Náutico na banda.

Sai muita briga?
Felipe
Em época de [campeonato] Pernambucano um sempre tenta desestabilizar o outro. O bom do futebol é isso. Acho do caramba essa história dos Meninos da Vila fazerem gol e dançar. Eu não queria que o meu time fosse assim, mas pô, eles jogando um futebol bonito como eles estão, isso dá uma vontade maior para o outro time. A chance que a gente tem para pertubar o outro, perturba.

Quanto tempo por dia vocês passam jogando videogame?
Marcelo
A gente tenta não jogar, porque senão joga o dia todo.

Felipe Com certeza eu sou o que mais gosta. Gosto de comprar e vender jogadores, gosto de jogar sozinho. A galera gosta de jogar coletivamente, eu gosto de jogar sozinho durante horas. Ou então, com alguém que goste de jogar do mesmo jeito, como o Marcelo.

Marcelo Quando eu jogo contigo, você fica mexendo no time e eu só quero jogar.

Chiquinho Engraçado, o videogame ficou um tempo quebrado, uns três meses. Foi aí que a gente conseguiu terminar o disco.

Felipe Foi coincidência, mas é verdade [risos]

Marcelo [Risos] Chegou num nível que não dá pra jogar uma partidinha no repouso do ensaio. Não tem isso mais. Começou, vai até cinco da manhã. Fudeu, perdeu a noite.

Chiqunho A gente não ligou ainda. Chegou do conserto há uma semana.

Felipe Não, ontem eu dei uma jogadinha.

Chiquinho Ah, então tá bom, tá funcionando [risos].

E fora o futebol, do que vocês gostam?
Felipe Estou voltando minha vida muito para o lado musical, pelo fato de estar fincando raízes em São Paulo. Não consigo achar uma outra coisa.

Marcelo Na verdade, eu nem quero achar, gosto de trabalhar com música.

Chiquinho A gente não vive só do Mombojó. Marcelo e Felipe estão produzindo o disco de uma banda de Recife, eu e o China produzimos o Junior Black.

Felipe Uma coisa que eu reparo que a gente tem em comum é que todo mundo se esforça para ter uma vida saudável e ativa. Não é o estereótipo da banda de rock. Todo mundo tenta fazer uma atividade. É muito difícil para músico, que tem uma rotina sempre de dormir tarde. A gente tem isso de valorizar muito a saúde, valorizar a amizade. Ninguém é de farra, do sexo, drogas e rock'n'roll. Não que a gente nunca tenha usado drogas, mas não somos dessa postura de vida. Não que o nosso amigo [Rafael] fosse junkie, mas ele teve um problema, morreu cedo pra caramba. Vimos isso e percebemos que a vida pode passar muito fácil. De uma hora para a outra, o cara perde sua vida. Damos muito valor para isso. Fico vendo os meninos do Vanguart, que são nossos amigos, acho o máximo. Eles sentem uma liberdade muito grande de viver, rock'n'roll mesmo, mas tudo bem. Eles comentam isso com prazer, com leveza. Se um de nós vivesse isso, ia comentar culpado. "Caramba, saí do show, peguei uma menina, o segurança me botou para fora, cheguei com a roupa toda cheia de lama". Ninguém é muito de balada.

Como vocês trabalham com a internet?
Marcelo O site a gente já tinha faz tempo, ele era meio abandonado. Nem a gente mexia, nem tinha gente que mexia, assessoria. Tava lá o disco para baixar, mas o site estava parado. Não tinha coisas novas todo dia para que as pessoas voltassem. Temos um blog para sempre puxar as pessoas para o site, para viverem o dia-a-dia do Mombojó. Tanto que às vezes a gente posta umas coisas bem bestas.

Chiquinho Todo mundo pergunta para nós: "Como vai ser o mercado fonográfico?". Um caô da porra. Eu não sei qual é a resposta exata, mas vai ser baseado nisso, fortalecer as relações com o público diretamente. Faz as pessoas viverem o Mombojó . Não vai ser mais trabalhar para vender um milhão de cópias. A galera questiona: "Vocês vão lançar música na internet, por que não esperam para vender mais?". Vender mais o quê? Não é isso. Temos que fortalecer nossos laços e ter o que trocar com o público. O caminho da gente vai ser esse.

Felipe Essa proximidade a gente tem com o público e a nossa equipe, a pessoa que vende show, assessora de imprensa. Quando estávamos nessa entressafra, muita gente falava: "Ah, pegue uma assessora 'foderosa' que vai botar vocês no Faustão". A gente nunca quis. Tentamos ter proximidade com todo mundo que está envolvido com a banda.

Chiquinho Mombojó deixou de ser uma banda independente. A gente depende muito do nosso público. Não estamos disponibilizando música de graça na internet. Não há nada de graça. A gente bota lá porque quer que as pessoas escutem, espalhem, venham nos ver tocando. Não existe isso de colocar disco de graça. Estamos investindo numa coisa que nos faz crescer.

Como foi o impacto da morte do Rafael?
Felipe
Foi bem espontâneo. A reação foi a de ficar unido. Talvez até por isso o outro integrante [Marcelo] tenha saído, porque não conseguiu entrar no clima. Esse foi o modo como fizemos as coisas. Eu pensei: "Porra, parei de estudar com 18 anos, se os meninos desistirem agora, tô frito". Minha vida é a banda.

Chiquinho Aí você vê como tudo é frágil. Uma coisinha pode derrubar tudo. Hoje em dia, eu trabalho isso, de ter as relações bem-estruturadas, seguras e harmoniosas. Fiquei traumatizado com essas tais de crises, todo mundo passa por elas: conflitos, brigas. Fazemos esforço para tudo ser resolvido de uma forma tranquila entre nós. Eu diria que o lema do Mombojó agora é: tranquilidade.

Felipe A história [da banda] começou mais por amizade do que por sermos os melhores. A música era o mote, mas o principal era amizade.

A dinâmica da banda mudou passando de sete para cinco integrantes?
Felipe
Pra caramba. As coisas antigas podem ficar melhores. Eu sempre quis tocar escaleta, agora tenho a oportunidade. As pessoas reivindicam aquelas frases, aquelas notas da música [das músicas antigas]. Acho legal não perder.

Chiquinho Passamos a tocar de uma forma diferente. Vicente passou a disparar muitos samples na bateria; às vezes temos uma música de três guitarras, ele toca. É como se a banda fosse dez braços e dez pernas que usamos pra executar as músicas. O Felipe não é mais só cantor, Vicente não é mais só baterista, o Marcelo não é só mais o guitarrista.

Felipe Chiquinho e Vicente tem samples, podem disparar outros trechos das coisas antigas. A flauta na música "Duas cores" é bem marcada. Algumas vezes usamos convidado em show. Mas soltar a flauta que o Rafa gravou é difícil. Foi tão marcante ele fazendo que a gente fica meio triste.

Marcelo Soltamos o sample uma vez e foi difícil. Aprendemos a não desabar com essas coisas porque senão você não faz nada. Mas a gente fica emocionado, fica torcendo para passar logo o momento, pra poder esquecer.

Felipe As coisas mais simbólicas preferimos deixar na memória. Não vamos pegar o que ele [Rafa] gravou e disparar. Tem coisas que a gente não faz pelo lado sentimental. Faz em outros instrumentos, transforma.

Essa atitude indica um luto que ainda não acabou?
Felipe A gente perde a dinâmica se ficar relembrando demais. Nem ele queria que a gente desanimasse.

Vicente É também uma questão de ser mais solto. Ele fazia essas frases e outras e na hora ficava solto.

Marcelo Muita gente pergunta: "Por que vocês não poem um outro flautista na banda? " Porra.

Felipe [Olhando para Marcelo] Se tivesse alguém que tivesse na mesma que a gente, que tocasse vários instrumentos, flauta, se encaixasse pra caramba...

Marcelo Rafa era meio único. Acho que a gente está se dando muito bem assim, esse disco é a prova disso.

E com o Marcelo, ficou tudo bem depois da saída?
Felipe A gente respeita ele pra caramba. Dentro da música não deu certo [a relação], mas ele tem talento de sobra. Não é porque ele saiu da banda que a gente deixou de admirar o que ele já fez e o que ele é. Só não tem mais a convivência.

Marcelo Foi difícil, mas a gente passou uns dois anos sem se ver, cada um seguiu seu caminho. Um dia desses, a gente se encontrou. Eu não sabia como ia ser, se ele ia falar comigo. Foi massa, conversamos, nos abraçamos. Quebrou um gelo. Desejo o melhor do mundo, a gente só não deu certo junto. A relação tá tranquila [pausa]. Até porque a gente não se vê todo dia [risos].

 

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