Depois de super bem trancado, percebi que tenho andado angustiado. A ansiedade me consome
ANGÚSTIA
Gemem os ferrolhos nas grades; gritam as chaves nas portas de ferro; escorregam as correntes pêlos elos enferrujados e sujos; e surdos os cadeados retinem seco o metal no aço. Depois de super bem trancado, percebi que tenho andado muito angustiado. A ansiedade me consome.
Tenho sentido dificuldade em viver, depressão galopante que ameaça me engolir. Pôr conta disso emagreci. Perdi o sono e a fome. Sou daqueles que me perco às vezes, doloridamente, em névoa tênue, e que triste busco deslizar sem ruído.
Minha angústia prende-se ao fato de que estou, depois de mais de trinta anos de prisão, para sair. Como se aproxima o momento, julguei pudesse me soltar na imaginação. Idealizar o que iria fazer, vestir, comer e ser. Lar, convivência, amor cotidiano, carícias, ternuras trocadas. Amenidades, felicidade, enfim.
Andar de carro na estrada; descalço na praia, chutando ondinhas na areia. Ver bicho, gente, mato, flores, edifícios, campos, cidades, ou simplesmente andar na Avenida Paulista de madrugada.
É tão bom...
Como uma vasta força natural, vou viver, finalmente. Numa provocação aberta, quase insulto. E mesmo que for para ser triste, que seja uma tristeza bonita, sensata, que soe fresca como um rio a correr em leito de pedra. Descansar da mente em letargia, dos dias preso, emparedado entre gritos estrangulados.
Mas, de repente, eu estava querendo isso tudo agora, já.
Até então conseguira me defender. Só existia esse mar de grades e todas as ondas que experimentei, morreram de ásperas mortes. Escondia-me da vida para suportar sua ausência. E de repente, quis tudo. E logo o anseio tornou-se desespero e já era ansiedade. Ao abrir senti que me explodia na cara. Eu queria viver e sofria.
Não sabia mais o que fazer. Nada mais tinha significado. Havia uma escuridão ativa e tudo o que aprendera ameaçava escoar em agonia lenta. Torturava-me a luz que caia dos holofotes no pátio, esparramando-se pelas grades da cela. Tudo era demais. As paredes da cela se encolhiam a me comprimir; estava tornando-se insuportável.
Eu tinha que voltar à prisão. Aquela era minha única realidade. Voltar a viver o que possuía, mesmo quando sabia que a vida berrava de exuberância alguns metros além da muralha.
Devia me reintegrar, minimizar-me novamente. À cela, meus textos, às cartas, aos livros que sempre me salvaram. Precisava recuperar o significado da vida prisional em suas menores chances de existência. Raspar das paredes o pó que reconduz à minha realidade do momento.
Precisava restabelecer o relacionamento com cada um dos onze companheiros que dividem a cela comigo. Eu me isolara em sonhos. E cada um dos companheiros das outras celas e outros pavilhões. Professores, guardas, diretores, enfim, com a vida que possuía. Cada uma dessas outras vidas preenchia pequena parte de minha existência, dotando-a de significados.
Minha vida, pôr enquanto, é essa. Liberdade, prazer e felicidade, só existem em pequenos bocados pôr aqui. E, devo me esforçar para colher tantos quanto possa. São toda riqueza que me cabe pôr enquanto. O que há de melhor que isso, quando vier, e sei esta próximo, me surpreendera, quando chegar a hora.
Composto por Luiz Alberto Mendes em 24\03\2004.
Dias antes de sair da prisão – só por curisidade.