Filho de um dos pioneiros do show business no Brasil, Marco Antonio Tobal Júnior comanda um império de casas noturnas em São Paulo
Uma foto de Freddie Mercury nos bastidores do primeiro show do Queen no Brasil, no Estádio do Morumbi, em 1981. Um retrato de Bruce Springsteen ovacionado pelo público paulistano após cantar Sociedade alternativa, de Raul Seixas, em 2013. Um cartaz de Chitãozinho e Xororó autografado pela dupla. Um pôster de Bob Marley & the Wailers. Selfies e imagens de Roberto Carlos, Jorge Ben, Marcelo D2, Emicida, Ivete Sangalo, Michel Teló, Titãs, entre outros.
A decoração nas paredes do escritório de Marco Antonio Tobal Junior dá uma ideia do ecletismo das quatro casas que ele comanda na zona oeste de São Paulo: Villa Country, Espaço das Américas, Audio Club e Expo Barra Funda. Aos 37 anos, o empresário paulistano está à frente de um império do entretenimento, cuja área total soma 45 mil metros quadrados (o equivalente a sete campos de futebol) e, a cada ano, recebe 1,78 milhão de pessoas nos 680 eventos realizados nas diferentes casas.
Se em frente ao Villa Country, no número 774 da avenida Francisco Matarazzo, universitários de camisa xadrez e chapéu de caubói fazem filas para ver estrelas da música sertaneja como César Menotti & Fabiano, a poucos metros dali, o público indie compra ingressos para ouvir o set de DJs como Flying Lotus ou assistir a ídolos do calibre de Iggy Pop no Audio Club. Na rua de trás, letreiros do Espaço das Américas anunciam shows que vão de Chemical Brothers a Roberto Carlos, atrações que costumam lotar a maior casa noturna da cidade, com capacidade para 8.500 pessoas. Em comum, o fato de todos os locais serem comandados por Tobal Junior e seus sócios – entre eles, o experiente Alejandro Figueroa, ex-dono do Olympia, a quem recorre para pedir conselhos.
Tobal pai, Tobal filho
“Cresci acompanhando meu pai nas turnês de artistas dos anos 80 e 90”, conta Junior. O pai, Marco Antonio Tobal, 61 anos, é um pioneiro no setor de entretenimento no Brasil, com mais de três décadas de experiência como produtor de eventos. Foi ele quem trouxe o grupo de rock britânico Queen para um show histórico em 1981, quando atrações internacionais eram raras no país. As primeiras turnês da Legião Urbana e dos Paralamas do Sucesso foram produzidas por ele. Depeche Mode, Pet Shop Boys e Erasure? Foi Tobal pai quem trouxe. Ele é o fundador da lendária Toco, danceteria que marcou época na zona leste paulistana e revelou nomes como DJ Marky, além de outras casas, como a Contramão, no Tatuapé; o Projeto SP, na Consolação; a Twist’s e o Country Beer, em São Caetano do Sul; e, claro, o Villa Country e o Espaço das Américas, hoje comandados pelo filho, formado em administração de empresas pelo Mackenzie.
“Sabe quando o dono de circo cria os filhos no picadeiro? Junior cresceu nos camarins”, conta Tobal. Os outros três filhos também trabalham nos empreendimentos da família: Vinicius atua na área de recursos humanos, Thiago é diretor artístico e Ariella cuida do administrativo. Hoje Tobal pai não participa mais das operações do dia a dia, mas é consultado nas decisões estratégicas e é um assíduo frequentador das casas. “Vou a quase todos os shows, é difícil perder algum. Sou mais baladeiro do que eles”, ri.
Na escola Pentágono, onde Junior estudou, quando a professora perguntava o que ele desejava ser quando crescer, ele respondia: “Quero fazer shows!”. Os colegas achavam que o garoto sonhava em ser cantor, mas seu plano era o de atuar nos bastidores, seguindo os passos do pai. “Tenho lembranças de, aos 8 anos, viajar de ônibus pro Rio de Janeiro numa turnê do Faith No More. Outra vez fui pro Guarujá com os Paralamas do Sucesso e o Kid Abelha. O Herbert Vianna namorava a Paula Toller, e eu ficava espiando os dois”, recorda. Um show memorável foi da Legião Urbana no Ginásio do Ibirapuera, em 1994. “O Renato Russo ficou puto porque jogaram uma lata no palco. Ele não queria mais voltar. Depois de muita conversa, entrou cantando ‘Geração Coca-Cola’, única canção vetada pela produção do show, que era patrocinado pela Pepsi”, ri.
Villa Bullying
Junior conta que foi muito zoado pelos amigos quando o pai fundou a maior casa de música sertaneja do Brasil, em 2002. “Existia muito preconceito, as pessoas tinham uma opinião equivocada sobre o sertanejo. O paulistano só admirava o que vinha de Nova York. Se vinha de Campo Grande era visto como porcaria”, conta o empresário, cuja família tem uma fazenda em Junqueirópolis, no interior paulista. Foi naquela região, observando o sucesso das festas de peão, que Tobal pai viu o potencial de negócios de uma casa voltada para o segmento.
Numa área de 12 mil metros quadrados foi construído o Villa Country, com decoração inspirada no velho oeste americano, três palcos, um restaurante batizado de John Wayne e uma loja que vende chapéus, cinturões e botas de couro. “O Villa foi pensado para atrair os estudantes do interior que vêm fazer a faculdade em São Paulo e não se identificam com a cultura da noite paulistana. Aquele cara que curte a fazenda, a caminhonete e todo o lifestyle do campo”, diz Junior. A partir de 2007, porém, uma mudança de público aconteceu. Era o início da onda do sertanejo universitário. Paulistanos de faculdades como Mackenzie e Faap começaram a abarrotar o lugar. “As bandas romperam com aquela coisa de falar da vida no campo, do amor que partiu. Elas começaram a falar da dinâmica dos jovens: ‘eu vou pra balada, vou te pegar, cadê a minha tequila’, e isso passou a atingir um público mais amplo.”
“As pessoas tinham uma opinião equivocada sobre o sertanejo. O paulistano só admirava o que vinha de Nova York.”
Tobal Júnior
Existe uma cultura de pegação “troglodita” no lugar? “Não acho. Nessa época de Facebook, em que as pessoas passam muito tempo na vida digital, é importante ter a experiência física, real. No Villa rola aquela coisa de dança de casais. Muitos se conheceram ali e hoje continuam juntos, com filhos”, responde Junior. Dono de casas noturnas tradicionais, ele acompanha de longe o movimento de eventos gratuitos em espaços públicos como os que ocorrem no centro de São Paulo. “Fui só uma vez a um show do Racionais MC’s na Virada Cultural de 2013. Sou fã deles e queria ver se ainda atraíam um público forte. Vi a galera enlouquecida. Um ano depois eles fizeram o show de abertura da turnê do disco Cores & Valores no Espaço das Américas. Foi incrível.”
Surf e ioga
Quando não está trabalhando nas casas noturnas, Junior se dedica à vida em família no apartamento em Moema onde mora com a mulher, Ana Carolina, e as três filhas, Sophia, 8 anos, Gabriela, 5, e Laís, 2. Nutricionista, Carol cuida da dieta do marido, que há dois anos descobriu ser diabético. “Um dia cheguei em casa, tive uma convulsão e apaguei. Eu tinha bebido muito e o álcool gera hipoglicemia (redução do nível de glicose no sangue). Aquilo me assustou e entendi que precisava levar meu problema de diabetes a sério”, conta Junior. Desde então o empresário mergulhou, ao lado da mulher, nos estudos sobre alimentação. Mudou radicalmente a dieta, começou a fazer atividades físicas regulares e a se preocupar em ter horário certo para dormir, o que não é fácil para quem sofre de insônia. “Sou muito ansioso, especialmente quando chega perto da data de um grande show. Os exercícios de respiração de ioga me ajudam a diminuir a ansiedade.”
Junior pratica ioga desde os 20 anos de idade, quando percebeu que precisava dar uma freada na vida regada a álcool e diversão. “Comecei na noite muito novo, então chegou uma hora em que falei: ‘Não dá mais pra continuar nessa batida, preciso de uma coisa diferente’”. Encontrou a “coisa diferente” no grupo de ioga do Centro Vidya, na rua Maria Figueiredo, nos Jardins. “Entrei de cabeça naquilo. Virei vegetariano, parei de beber, fazia práticas diárias de ioga, me afastei dos meus amigos. Enquanto eles iam pra uma rave, eu ia pra um retiro na Serra da Cantareira”, conta.
Após uma lesão no joelho num jogo de futebol em 2005 que o afastou da ioga por oito meses, abandonou de vez o grupo que frequentava. “Vi que aquilo não fazia mais sentido pra mim. Era uma prática muito excessiva. Perdi muito peso, cheguei a ter dez quilos a menos do que hoje.” Atualmente faz aula particular de ioga uma vez por semana e pega onda em Juquehy, no litoral norte paulista, onde tem casa de praia. Nos últimos anos, os destinos de férias foram escolhidos de forma a unir o surf ao lazer da família. “Já fomos pra Califórnia, pro Peru e pra Nicarágua. No mês que vem, vamos pro Havaí.”
Uma referência espiritual forte é Paramahansa Yogananda (1893-1952), mestre indiano que ajudou a popularizar a ioga no Ocidente. “Visitei o centro que ele fundou em Encinitas, na Califórnia. Tem um jardim cheio de plantas, em frente ao mar. Fiquei impressionado com a energia do lugar”, conta o empresário. A prática da meditação funciona como um momento de recarregar as forças e organizar as prioridades. “Vejo o que é importante e o que não é. Muitas vezes chego com as ideias embaralhadas e saio de lá com elas organizadas”, diz.
A habilidade de administrar problemas foi fundamental no momento mais difícil nos negócios da família. Tobal pai era vice-presidente da Associação Brasileira dos Bingos (Abrabin) e dono de duas casas de bingo – uma nos Jardins e outra no Tatuapé – na época em que a atividade era legal no Brasil. Em 2007, seu nome foi envolvido numa operação da polícia federal que investigava a venda de licenças para negócios e ele foi convocado para prestar esclarecimentos. O caso não teve consequências legais para o empresário, mas ele acabou fechando as casas no mesmo ano, quando foram cassadas as últimas liminares que permitiam o funcionamento do bingo no país. “Meu pai foi nocauteado com essa história. Ficou deprimido. Mas foi um aprendizado pra nós sobre como agir em situações de crise. A gente virou aquela página e mergulhou de vez no show business”, conta.
“O Renato Russo ficou puto porque jogaram uma lata no palco do Ginásio do Ibirapuera. Não queria mais voltar.”
Tobal Júnior
Artistas e empresários elogiam o desempenho de Junior. “O Junior é um parceiro que entra junto pra fazer um espetáculo melhor. Gravei meu DVD na Audio e, desde então, fizemos muita coisa juntos. O cara virou meu amigo pessoal”, disse o músico Marcelo D2. Facundo Guerra, dono do grupo Vegas, que inclui as casas noturnas Lions e Cine Joia e os bares PanAm e Mirante 9 de Julho, se diz impressionado com a estrutura e o serviço oferecidos. “É de um profissionalismo que eu gostaria de ter. Talvez daqui a dez anos eu chegue lá, já que a família dele está no ramo há décadas. E admiro o ecletismo das casas, que vão dos setores de música bem popular até os de nicho”, diz o empresário.
Junior não detalha muito os planos futuros. “Meus sócios e eu temos vontade de fazer eventos ao ar livre. Ou algo que una as quatro casas. Mas o momento atual, de crise econômica, não ajuda.” E quem é o artista dos sonhos que ainda não levou aos palcos? “Olha, o Bob Dylan é um cara que eu amo e tocaria bem nas nossas casas”, finaliza.
Créditos
Franco Amendola