”Como poderá, o homem preso, pensar em reintegração social, em ressocialização, se nem na prisão, onde esta indefeso e vulnerável, sua vida será respeitada?”
Qual a confiança na Justiça poderá ter o homem aprisionado a partir do parecer do desembargador, relator do processo sobre o Massacre nas Casa de Detenção de São Paulo, Ivan Sartori, exarado no Tribunal de Justiça de São Paulo recente? Ele e mais dois outros desembargadores, praticamente, incentivam possíveis massacres nas prisões, acenando com a impunibilidade para aqueles que os perpetrarem. Entrar nas prisões atirando em tudo que se move será "legítima defesa", o Tribunal deu o aval... Já haverá até jurisprudência a respeito. Todo policial que matar presos desarmados dentro da prisão vai pleitear igualdade aos policiais absorvidos pelo Massacre do 111 na Casa de Detenção. Está liberado. Como poderá, o homem preso, pensar em reintegração social, em ressocialização, se nem na prisão, onde esta indefeso e vulnerável, sua vida será respeitada?
O público pode argumentar que eles também não respeitaram e atacaram indefesos e vulneráveis. Mas 80% das vítimas da matança nem estavam condenados. Em fase de julgamento, ainda eram inocentes até que se provasse o contrário. O fato é que se a lei tem seu componente relacionado ao castigo, tem também a missão de reeducar e ressocializar. Há verba alocada para tal desiderato. A lei é uma só e deveria servir para todos. Matou, deve ser julgado e se condenado, cumprir a pena. Não importa se civil ou polícia militar.
Eu estava na Penitenciária do Estado, hoje penitenciária feminina, no dia do massacre. Ouvimos mais de meia hora de tiros. Para nós a polícia estava exterminando os presos da Casa de Detenção, tal a quantidade de disparos. Ligamos as televisões e vimos pouca coisa. Exatamente pelo que escondiam, sabíamos que algo de muito grave estava acontecendo na prisão vizinha.
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Já em 1987 a Polícia Militar havia feito um massacre na Penitenciária. Corremos tentando escapar das balas que choviam em nossa direção. Vi vários companheiros já mortos e caídos em poças de sangue no meio das galerias. Não havia onde esconder, eles nos caçavam nas celas e galerias qual fôssemos ratos. O desespero tomou conta de nós e quem bobeou, foi morto ou ferido. No rescaldo, 37 presos haviam sido assassinados, não se falou dos feridos, que foram muito mais. Isso segundo a contagem deles; para nós que vimos tudo, muito mais companheiros foram mortos. O escândalo foi abafado e pouca gente sabe desse outro massacre anterior. Mas era uma prévia. 111 presos foram executados cinco anos depois, e do mesmo jeito; covardemente. Quantos serão da próxima vez? 200, 300, 500, talvez até milhares?
Logo depois, começaram chegar os companheiros baleados, esfaqueados e quebrados no hospital da Penitenciária do Estado, para tratamento. O IML estava lotado de cadáveres, os hospitais idem. O que eles nos contaram era estarrecedor. Sobreviver para muitos, foi pior que a morte. Alguns se esconderam entre os mortos; outros carregaram corpos perfurados a bala e ensanguentados de amigos e todos foram espancados como animais. Quase todos tinham balas em seus corpos e estavam quebrados. Relatavam, quase como aconteceu no filme "Carandiru", preso não matou preso. Haviam policiais sanguinários matando presos, já rendidos, a facadas. Os horrores que nos relatavam nos compôs um massacre, ninguém teve oportunidade de se defender. Eles não esperavam. Não havia funcionários reféns, eles os haviam deixaram abandonar o pavilhão nove.
Daí para a frente todos os presos sabiam que havia mais esse risco de vida. Nunca acreditamos que os assassinos fossem condenados; sabíamos que nossas vidas não valiam nada e que não podíamos confiar na Justiça. Foi então que começaram a se formarem as organizações e facções. O preso se unia para se defender; dessa vez venderíamos caro nossas vidas. Todos os acordos foram rompidos e todo o sistema prisional se modificou. Os dois lados ficaram em pé de guerra. Os ataques do PCC aos policiais e guardas de presídio, teve origem nessa loucura toda.
Estou aqui torcendo para que os dois desembargadores que ainda têm que emitir parecer, optem por um novo julgamento e não absolvam a crueldade mais uma vez. É preciso que fique um exemplo, tais fatos devem ser contidos por lei. Os 111 presos mortos e os policiais que os assassinaram, não contam, na verdade. O passado não existe mais, não se cogita pensar em vingança. Mas o futuro exige: a condenação deve ser contra a barbárie e ao massacre de seres humanos. Assim foram condenados os autores do holocausto nazista pelo Tribunal de Nuremberg e é assim que nosso país aprenderá lições de civilidade.
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