Lembrar
Do que sei, nenhum de nós quer ser esquecido. Há quem tenha motivos para ser esquecido. Mas creio seja exceção, só para confirmar a regra. Desconfio que, além dessa existência pessoal e intransferível, nós construímos outra existência real na mente e no coração dos outros que nos é extremamente cara.
Quando morremos fica tudo para trás. Dinheiro, posição social, carros, casas, empresa, posses em geral, até o nosso corpo termina para nós. Morremos, acabamos. Mas continuamos vivos na lembrança dos que nos amaram. Estaremos vivos naquilo que fizemos e que marcou como exemplo e, particularmente como arte. Todos “imortais” da literatura estão mortos, não há dúvidas quanto a isso. Mas, paradoxalmente, são mais importantes e influentes a partir de suas obras imortais do que quando vivos.
As obras de Platão e Aristóteles vêm formatando o raciocínio do Ocidente há milhares de anos. Shakespeare vem influenciando o comportamento e a arte humana com suas obras há 500 anos.
A lembrança é uma espécie mais específica de afeto. Lembramos também pessoas que nos fizeram mal, mas assim já querendo esquecer, apagar da mente. Como é mesmo o nome do sujeito que matou Gandhi? Ninguém lembra, e foi um fato histórico. E o Mahatma Gandhi será lembrado para sempre com profundo afeto por toda humanidade. Aquelas recordações mais afetuosas, guardamos envoltas em veludo macio. O poeta Antonio Cícero é quem melhor traduz o ato afetuoso de guardar: “Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por/Admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado.”
Ser lembrado é um afago prolongado, um carinho profundo. Uma necessidade tão sutil que pode ser alimentada apenas por um olhar ou um sorriso iluminado.
**
Luiz Mendes
13/10/2010.