Itaquerão em festa

por Alê Youssef
Trip #234

Meu amor pelo futebol não será oprimido por qualquer patrulha mal-humorada

Meu amor pelo futebol não será oprimido por qualquer patrulha mal-humorada que tenta tomar conta do país – como se gostar do maior evento de futebol fosse um salvo-conduto à FIFA, à CBF ou ao governo. Haja paciência!


Ainda sob a desconfiança geral de que se a Copa do Mundo iria ou não pegar no Brasil, fui ao estádio do Corinthians assistir ao jogo de abertura do evento.

Antes de seguir, devo dizer que uma das primeiras e mais vivas lembranças da minha vida é justamente a fantástica seleção brasileira de 1982, na qual meu maior ídolo, o doutor Sócrates, desfilava ao lado de outros craques como Zico, Falcão, Cerezo e Júnior. Portanto, meu amor pelo futebol não seria jamais oprimido por qualquer patrulha mal-humorada que naquele momento tentava tomar conta do país – como se gostar do maior evento de futebol fosse um salvo conduto à Fifa, à CBF ou a qualquer governo. Haja paciência!

Voltando ao jogo de abertura, o mais bacana daquela tarde e noite foi a oportunidade de passear pelas ruas de Itaquera antes e depois da partida. O bairro era uma festa: casas com portas abertas, churrascos e pagodes nas calçadas e um orgulho latente do povo da zona leste paulistana em receber um jogo tão importante. Fiquei emocionado também, ao final, com os milhares de moradores da região que esperavam na avenida Jacu-Pêssego a passagem do ônibus da seleção.

Por outro lado, a coisa mais horrível que vi foi a grosseria indesculpável dos que xingaram a presidente da República. Claro que todos têm total direito de vaiar e reclamar, mas as pessoas perderam a noção e a própria razão ao xingar uma senhora e chefe de Estado daquele jeito. Como minha avó dizia, coisa de gente malcriada.

POVO x ELITE

Apesar de alguns cronistas e políticos, seja para atacar o governo ou motivar militantes, tentarem enfatizar que não se tratava apenas de uma reação da elite, o perfil endinheirado da turma era evidente. Aliás, importante registrar que não vi nenhum negro nas arquibancadas do estádio, o que, no coração de Itaquera, chega a ser surreal.

Curioso é que quem xinga não percebe que, ao fazê-lo, evidencia a polarização partidária, a divisão entre povo e elite, direita e esquerda, o que acaba sendo bom - nessa política ditada pelo marqueteiros – para o partido do governo. Pelo menos tem sido assim faz tempo. Ou seja, xingar, além de mal-educado, é ineficaz.

Não sei qual terá sido o resultado da Copa quando esta coluna for publicada, mas, mesmo com qualquer desastre que possa acontecer com nossa seleção, continuarei amando futebol e gostando desse torneio. E isso nunca vai significar que concorde com desmandos e injustiças que pairam em torno do esporte ou da política brasileira.

Doutor Sócrates, que saudade! Por aqui, sigo seu discípulo, vibrando com o jogo bonito, o toque de calcanhar e o espírito livre e crítico.

P.S. 1: Se o mundo e o futebol fossem justos, o Itaquerão se chamaria Arena da Democracia Corintiana, certo?

P.S. 2: As festas de rua com milhares de gringos e brasileiros misturados em todo o país valeram a Copa. O brasileiro é especialista em fazer o mundo se divertir. Devemos nos orgulhar disso.

*Alê Youssef, 38, é apresentador do programa Navegador, da Globonews, comentarista do programa Esquenta!, da TV Globo, advogado e produtor. Seu e-mail é alexandreyoussef@gmail.com

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