Mito
O mito de que a justiça raramente pune culpados se justifica unicamente pelo fato de que aqueles que têm dinheiro, conhecimentos ou poder conseguirem, de algum modo, se safar das punições aos seus crimes. Porque, é de pessoas como eu, que não têm capital, relacionamentos políticos e que não mandam em nada que as prisões estão cheias. E como exceções não são regras e nem podem figurar como demonstrativo de nada; tal mito, comprovadamente, não procede. O que a realidade nos mostra é absolutamente o contrário. A superlotação das prisões no país é uma realidade sempre presente, embora nem sempre veiculada e quase sempre escondida em sua crueza. Aqui o mito choca-se de frente com a realidade e se dissolve. Como pensar superlotação nas prisões se esse é o país da impunidade? No mínimo é contraditório. Parece até cíclico, a cada ano renova-se o estoque de sofrimentos para aqueles que são obrigados a cumprir suas condenações.
Na última prisão da qual fui libertado após mais de 30 anos preso (comigo o mito não funcionou), morávamos em 15 ou 16 companheiros (nós nos chamamos de "companheiros de sofrimento", na prisão) em uma cela construída e equipada para 12 pessoas. Três ou quatro de nós dormiam no chão do xadrez. Para mim aquilo era um absurdo, uma falta de respeito pelo ser humano tutelado pelo poder público. Pois bem, passados quase 10 anos, as mesmas celas que habitávamos em 15 ou 16, hoje estão cerca de 40 a 50 homens comprimidos naquele espaço idealizado para 12 pessoas apenas. Estão montando camadas de redes, como andares e amarrando-se nas grades para dormir.
O tempo todo em que estive preso não vi ninguém sendo solto assim fácil, só quando havia muito dinheiro na "parada". Chegou ao ponto de um preso, sem uma perna, fugir pela muralha de mais de 10 metros. Não é nem um pouco como a mídia quer nos fazer acreditar. Com a superlotação, os processos também se super-multiplicam. Então toda a tramitação dos processos, que já era lenta, fica super-demorada. A burocracia chegou na justiça e parou; fez casa de alvenaria e morou. Os juízes nunca foram "bonzinhos", muito pelo contrário. Não há classe mais conservadora e corporativista. São cada vez mais rigorosos e severos, com medo das cobranças das autoridades estimuladas pelo clamor popular. Não houve "bondades" comigo. Não vi, salvo raras exceções, que considerávamos fruto da sorte enorme de alguns indivíduos, ninguém pegar moleza com a Justiça paulista.
Não sei a quem pode interessar a continuidade de um mito tão facilmente desmentido ou desconstruído. Imagino que alguém tira alguma vantagem com isso, senão tal mito já teria ido por terra há muito tempo. “A miséria e a desgraça não vêm como a chuva que cai dos céus, mas através de quem tira lucro com isso.” Bertold Brecht
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Luiz Mendes
02/01/2014.