por Luiz Alberto Mendes

A minha carteira de identidade leva meu nome, data de nascimento, sexo, Estado e nacionalidade

A minha carteira de identidade leva meu nome, data de nascimento, sexo, Estado e nacionalidade. É óbvio que essas particularidades não esgotam minhas características. Mas o que são e o que não são características? Difícil precisar. Pode ser até um jeito de vestir, por mais banal seja. Variáveis, mutáveis e inumeráveis diante suas possibilidades, as nossas características são decididas pelos outros. E eles se enganam. As pessoas me rotulam como ex-presidiário, por exemplo. Mas não sabem que dia 05 deste mês fez 10 anos que sai da prisão e nunca mais passei nem na frente de uma delegacia. Até quando serei ex-presidiário? Até morrer, provavelmente. E o no meu epitáfio estará escrito: "ex-presidiário que se tornou escritor..." E quando falarem de mim sempre lembrarão: "mas ele era bandido, esteve preso..."

Não podemos permitir que nos confundam por alguma coisa que fizemos, deixamos de fazer ou por alguma de nossas muitas pertinências. Vivo brigando contra esse preconceito; ele nos reduz ao que nos cognominam. Eu fui um ex-presidiário; deixei de ser há muito tempo. Em dez anos aqui fora, ultrapassei a cultura prisional da qual fui construtor e depois vítima. Trabalho sério e consistente, participo da vida social e convivo tranquilamente com todos. A vida é fluência, nada e nem ninguém é assim ou assado. Tudo esta sendo de um certo modo, e logo estará sendo de outro. O tempo urge e não dá a mínima bola às nossas idiossincrasias. Não é mais preciso se ajustar (sempre fui um desajustado). Os novos tempos exigem seguir a fluência da vida questionando e compartilhando.

Somos confundidos com nossas características por puro preconceito, mas, esta claro; somos inimitáveis. A genética (ou seja lá o que) nos escolhe, nós surgimos e esse fenômeno não se repetirá pelo tempo todo em que durarem os seres humanos. Não é incrível? E somos o próprio fenômeno, um acontecimento único (pelo menos nisso somos únicos). E não vamos mais parar de tecer o que somos. De criar camadas em volta de camadas, como uma cebola, e ir nos compondo. Não somos isso e nem aquilo, estamos sendo isso agora, mas podemos vir a ser aquilo e aquele outro também. Somos cambiantes, sedimentamos como corais e recifes e seguimos em auto-formação em nosso tempo, nossa cultura e nossa história.

                                          **

Luiz Mendes

26/04/2014.

 

fechar