George Romero, o rei dos zumbis

por Redação

O diretor fala à Trip sobre sua volta ao território dos mortos-vivos

Mestre absoluto dos filmes de terror, o veterano diretor George Romero fala à Trip sobre a sua volta ao território dos mortos-vivos.

Desta vez, seus moribundos ambulantes canibalizam a América de outro George, Mr. George W. Bush.

O diretor George Romero continua o mesmo hippie da década de 60. Aos 65 anos, barbudo, de rabo-de-cavalo e óculos com lentes grossas, ele voltou à carga com seus zumbis e as metáforas sobre a sociedade norte-americana em Terra dos Mortos, quarto filme que segue a linha da trilogia que lhe garantiu uma vaga no panteão dos mestres do cinema de terror.

Em A Noite dos Mortos-Vivos, sua primeira e revolucionária película, filmada em preto-e-branco há quase 40 anos, Romero fazia uma crítica semi-velada ao racismo nos Estados Unidos por meio de defuntos que ressuscitavam [os zumbis] e vagavam pela Terra à caça de carne humana.

O protagonista [Duane Jones], por exemplo, foi o primeiro herói negro dos filmes de terror. "Os atores afro-americanos não tinham muito espaço no cinema", disse o cineasta, por telefone, à Trip.

Seu novo filme estreou no Brasil no fim de julho. Sucessor de Despertar dos Mortos [1978] e Dia dos Mortos [1985], traz as digitais de Romero nas cenas de mutilações e sangue jorrando para todos os lados e, também, o seu eterno ar contesta-tório "flower power" ao apertar o calo do american way of life pós-11 de setembro.

Em Terra dos Mortos, ambientado numa cidade com uma torre, aterrorizada e protegida por rios e cercas, as alusões a George W. Bush e à elite americana são claras. "Os políticos tentam manter uma existência obsoleta baseada num ‘vamos fumar bons charutos e esquecer o resto’", afirma.

Na entrevista a seguir, além de comentar sua obra, o diretor fala também de Brasil ["Uma das melhores viagens que fiz na minha vida"]; Brasília ["Daria para fazer um ótimo James Bond lá"]; e Zé do Caixão ["Coffin Joe? Sim, conheço e gosto"].

Como o senhor se sente por ter criado uma mitologia para os filmes de zumbis?

Isso nunca tinha me ocorrido... Acho que criei algumas regras em A Noite dos Mortos-Vivos [lançado em 1968]. Mas quando estava trabalhando no filme nem pensava em zumbis. Tinha em mente monstros comedores de carne humana.

Alguma obra em especial influenciou sua criação?

A influência veio de Eu Sou a Lenda [romance de 1954 em que a Terra é tomada por vampiros] de Richard Matheson [um dos roteiristas de Jornada nas Estrelas]. Na época, eu não estava preocupado em criar um novo tipo de monstro. Fazer esse filme era mais uma questão revolucionária.

E como surgiu a idéia de tornar as criaturas comedoras de carne humana?

Não queria repetir a fórmula de Matheson. Pensei, então, em criaturas que se alimentavam da carne dos vivos. E mesmo essa saída não foi lá muito original... Nos filmes antigos da Universal já existiam demônios que comiam cadáveres, como em The Mad Ghoul [filme de 1943, dirigido por James P. Hogan]. A essência desses devoradores de carne é vampírica e quando decidi que eles seriam mortos-vivos só estava pensando em fazer um filme diferente.

E conseguiu...

Minha idéia era filmar no esquema "paz, bicho" e aproveitar como cenário uma casa de fazenda. Como o dono ia demolir o local podíamos fazer o que quiséssemos com o lugar. Sonhava também em contar uma história com algum valor social. Imaginei uma nova sociedade que devorava a antiga. Achei que os comedores de carne funcionariam como uma boa metáfora. O fim dos anos 60 foi um período muito raivoso e sombrio. E olha que nós éramos hippies!

Ben [Duane Jones], de A Noite dos Mortos-Vivos, é o primeiro herói negro dos filmes de horror. Nessa época, os Estados Unidos tentavam acabar com a segregação racial. Escalá-lo foi uma decisão política?

Inicialmente não. Precisava de alguém para o papel principal e Duane era o melhor ator entre meus amigos [risos]. Além disso, tinha consciência que os atores afro-americanos não tinham espaço no cinema.

Em Terra dos Mortos há uma tensão entre os vivos pobres e os vivos ricos, que moram numa torre luxuosa. O Sr. acha que as elites lidam com a pobreza como os ricos da torre lidam com os zumbis? Ou seja, simplesmente ignorando...

Sim, eles tentam ignorar. Dizem às pessoas: "Não se preocupe". E é justamente isso o que tem acontecido na América. Enquanto o mundo real tem muitos problemas, os políticos tentam manter uma existência obsoleta baseada num "vamos fumar bons charutos e esquecer de todo o resto".

O Sr. conhece os filmes de José Mojica Marins, o Zé do Caixão?

Coffin Joe? Sim, conheço. Vi alguns filmes dele e gostei. Achei bem divertidos. Eles me lembraram os filmes de Lucio Fulci.

Nunca pensou em fazer um filme com zumbis comedores de carne nos trópicos

[risos]

Adoraria! Uma das melhores viagens que fiz na minha vida foi para o Brasil.

Mesmo?

Há alguns anos estive aí durante um mês. Eu e minha mulher chegamos para o ano-novo no Rio de Janeiro, entramos no mar, levamos presentes para Iemanjá... Tinha música no ar. Foi maravilhoso.

Que outros lugares vocês visitaram?

Fomos para Búzios e voamos até Brasília. Aquele lugar tem um aspecto incrivelmente fantástico. Daria para fazer um ótimo James Bond em Brasília.

MORTOS DE FOME

Defunto que sai da sepultura e fica vagando pela Terra atrás dos vivos é a marca registrada de George Romero.

Acompanhe a trilogia de zombie movies do diretor:

A Noite dos Mortos-Vivos

[Night of the Living Dead, 1968]

Sem nenhuma explicação, os mortos saem das sepulturas e passam a devorar os vivos. Um grupo de pessoas se abriga na casa de uma fazenda isolada e tenta resistir ao ataque. Filmado em preto-e-branco, custou pouco mais de 100 mil dólares e é a referência máxima para todos os filmes de zumbis.

Despertar dos Mortos

[Dawn of the Dead, 1978]

Os mortos caminham pela Terra e causam pânico nas grandes cidades. Quatro pessoas conseguem fugir num helicóptero e param no telhado de um shopping. Os zumbis estão por todos os lados. Sobem as escadas rolantes e vagam pelos corredores do local enquanto os vivos tentam sobreviver e se deslumbram com tudo o que podem pegar sem ter de pagar.

Dia dos Mortos

[Day of the Dead, 1985]

A Terra está tomada pelos mortos-vivos e um dos poucos redutos seguros é um bunker militar em que vários cientistas fazem experiências com zumbis e tentam encontrar uma "cura" para a epidemia. Mais uma vez, os vivos subestimam os mortos e se dão mal.

Terra dos Mortos

[Land of the Dead, 2005]

Os mortos-vivos encurralaram o que restou dos vivos em alguns poucos locais seguros. Os vivos miseráveis vagam pelas ruas e alguns deles se arriscam para se abastecer com suprimentos de Fiddler´s Green, a torre luxuosa em que vivem os ricos. Esse status quo, porém, não dura muito tempo. Big Daddy, o líder dos zumbis, resolve atacar e os outros comedores de carne o acompanha.

fechar