Extremamete Íntimo

por Luiz Alberto Mendes

 

Que Pena

 

Nunca pude te dizer. Você nem imagina, mas você foi o maior acerto de minha vida. De todas as decisões, você foi a mais importante delas. Tua mãe pode te dizer que você foi fruto da vontade. Nós buscamos você conscientemente. Você não foi um acidente. Sonhei com você, construí você em minha mente antes até de conhecer tua mãe. Pensávamos que você fosse menina (tinha até nome) de tanto carinho que havia em nós aguardando você.

É por isso que agora, de lágrimas a embaçar meus olhos, impedindo de prosseguir, eu te digo que foi a partir de você que não odiei mais ninguém. Não foram os livros que me salvaram, na verdade. Foi você. Por causa de você nunca mais pude fazer nada de errado sem sentir a consciência me espremer contra o chão como a uma barata. Nunca mais pude pensar somente em mim. Você sempre veio antes.

Tudo o que fiz de importante, se é que fiz algo realmente importante, tinha você por motivo final. Eu queria que você se orgulhasse de seu pai. Queria, de verdade, ser um grande pai para você. Uma pena consiga tão pouco, não aprendi a ser pai.

Na prisão nunca mais fui para regime de castigo. Tornei-me professor, lancei um livro, iniciei a coluna na Trip e... consegui sai da prisão. E sai para te ver, para estar com você. Você me deu forças e principalmente responsabilidade para começar uma nova carreira e uma nova vida.

Sua primeira infância foi uma benção para mim. Recebê-lo nas visitas era minha maior alegria. Você era um menininho doce, amoroso e que ficava o tempo todo grudado em mim. Foi você quem me deu forças para engolir o boi pelo chifre nas desterradas prisões paulistas. Abraçá-lo era ter junto ao peito o tesouro mais precioso. Despedir-me de você era todo meu desespero.

Uma pena, não é mesmo? E agora você esta enorme, me ultrapassou faz tempo, só quer saber de jogos eletrônicos, computador, sequer dá uma olhada em seu velho pai. Fico te olhando tentando ver aquele menininho adorável que eu amava tanto e só vejo você de longe. Escuto você sair para a escola cedo, vejo você voltando, sigo teus passos, escondido aqui atrás da janela. Às vezes dói de saudades daquele menininho, dá a maior vontade de chorar, como agora, desesperançado dessa minha vida de solidão.

Tudo bem é para isso que servem os pais. Um arco a emitir flechas. Uma pena que tão cedo você se aparta de mim. Eu poderia te oferecer tanto... Uma pena que tão cedo nos tornamos tão estranhos. Eu seria seu melhor amigo se você quisesse. Devo ser culpado disso também, como que de quase tudo o mais. De fato devo merecer isso. Fazer o que, não é mesmo? Não tem problema, eu espero. Nem que seja por nada.

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Luiz Mendes

25/10/2010.       

 

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