Entre o céu e a terra

Papa Francisco está usando seu poder para fazer a ponte entre os planos superior e inferior, vivendo em tensão permanente

Caro Paulo,

Pela primeira vez na história do Trip Transformadores eu não fui à cerimônia de reconhecimento. Acredite se quiser, eu estava em Guaiaquil, no Equador, convidado para palestrar no Congresso Latino-americano de Alumni dos Jesuítas, cujo tema foi “Papa Francisco, o papa que move o mundo”.

Eu perdi a cerimônia do Trip Transformadores, em São Paulo, mas valeu a pena. Papa Francisco enviou uma mensagem especial para os participantes do congresso em Guaiaquil, na qual fez uma reflexão genial sobre a missão do ser humano neste mundo, nas palavras dele: fazer a ligação entre o Céu e a Terra. Disse que o ser humano que se reconhece com essa missão deve viver em permanente tensão porque não é fácil colocar em prática os planos que o Céu tem para nós aqui na Terra.

Infelizmente, algumas pessoas vão perder a reflexão de Francisco porque não gostam de “tensão” e outras vão achar que estão ouvindo apenas o CEO da Igreja católica e não um indivíduo que está vivendo a sua época com tanta intensidade (intenção + tensão = intensidade!) que sua visão e seu pensamento transcendem a organização ou a religião que representa. Pena, porque as palavras de Jorge Bergoglio são universais e fazem sentido para qualquer pessoa no mundo.

Como papa, ele está usando seu poder para colocar em prática a missão de ser pontífice, que, como meu amigo Carlos Netto me ensinou, significa ser “construtor de pontes” entre o Céu e a Terra (!). Traduzindo o espanhol do Francisco para o meu português, eu entendi que o Céu equivale ao ser superior que habita em nós e que nos dá a noção e os sentimentos de beleza, amor, solidariedade, compaixão etc. Esse ser superior tem valores e utopias.

O ser inferior que também nos habita tem necessidades e interesses – como fome, sexo, saúde, segurança – que nem sempre são satisfeitos de acordo com os valores e sonhos do ser superior. Por isso a relação entre o ser superior e o ser inferior é tensa. E criativa. É dessa tensão que nasce uma biografia com uma identidade única e interessante, que vale a pena ser vivida.

Questão de biografia

Quando a tensão entre o ser superior e o ser inferior é eliminada, a biografia que surge é parecida com um monte de outras, é frouxa, não tem identidade; é cópia, não é interessante. Importante: “superior” e “inferior” não têm conotação de “melhor” e “pior”. Ambos são igualmente importantes porque é a relação entre o Céu e a Terra que estabelece a missão e a tensão. O ruim é a vitória de um sobre o outro. Eliminando a Terra ou o Céu, o ser humano fica sem missão e sem graça, vira paisagem, uma nuvem no Céu ou um vegetal na Terra, não um ser humano consciente que faz a ponte entre o Céu e a Terra.

Mas nada é por acaso, meu amigo Paulo, dono de uma das biografias mais interessantes que conheço. Estou aqui voando de volta para casa, fazendo esta coluna da edição com o tema de comemoração, me desculpando por não poder estar junto no evento. Mas de repente estou falando exatamente da razão de existência do Trip Transformadores: celebrar aqueles humanos tensos que assumem a missão de fazer a ponte entre o Céu e a Terra e assim torná-los referência e estímulo para nosotros assumirmos a tensão/missão que nos cabe.

Parabéns para você, caro Paulo, para o Califa, o Luna e todos os que puxam essa fila de humanos tensos, insatisfeitos e inconformados com a nossa realidade.

Beijo carinhoso a todos,

daqui da poltrona 3C do AV8889.

Ricardo

Créditos

Flávia Junqueira

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