As mil faces de Paula Lavigne

por Guilherme Henrique

Empresária, produtora e ativista, Paula Lavigne fala sobre o seu envolvimento com a política

“Estamos aqui em missão de paz. Viemos apoiar vocês, o MTST e a ocupação, então vamos fazer tudo certo. Eu prometo que nós vamos fazer esse show”, vociferou Paula Lavigne, rodeada por artistas em um palanque. Ao lado dela, nomes como Caetano Veloso, Sônia Braga, Aline Morais, Criolo, Emicida e Wagner Moura, além do coordenador do Movimento Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos. A intervenção da empresária ocorreu no dia 30 de outubro, na ocupação da Frente Povo Sem Medo, em um terreno de quase 70 mil m², iniciada em setembro e que abriga cerca de oito mil famílias. Impedidos de realizar um show em apoio ao movimento, Caetano Veloso e Paula Lavigne se comprometeram a buscar uma nova data e outro local para que o baiano pudesse, enfim, cantar.

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Enquanto empunhava o microfone para uma multidão, Paula Lavigne mostrou, uma vez mais, que é uma das ativistas políticas mais fortes do Brasil atualmente. Envolvida nas questões acerca dos direitos autorais no Brasil, está à frente do #342artes e do ‘Procure Saber’, grupo formado por diversos nomes da MPB para debater a indústria musical brasileira. 

Para além do círculo artístico, a carioca de 48 anos transformou-se em um elo poderoso entre a política nacional e parte da classe artística, interessada em discutir os rumos do país. “Desde que iniciamos esse ativismo, temos feito reuniões do 342 na minha casa, em que convidamos importantes personagens do cenário político nacional do campo progressista. E sem nenhuma discriminação partidária”, diz.

Entre o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, e o ato em São Bernardo do Campo, Paula Lavigne mobilizou intervenções contra a extinção da Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca), lutou para que os deputados do Congresso Nacional aceitassem as duas denúncias contra Michel Temer, entre outras ações. “A classe artística brasileira sempre esteve mobilizada e teve importante papel em momentos muito relevantes da nossa história”, comenta Lavigne.

Como prometido em outubro, Caetano Veloso fará um novo show, desta vez no Largo da Batata, às 18h. A apresentação ocorrem no domingo (10/12) e terá como convidados Criolo, Maria Gadu e Péricles. E Paula Lavigne.


Trip.
Como você avalia a reação do público, por vezes agressiva, diante das ações políticas promovidas pela classe artística nesse momento? Vocês debateram questões que envolvem a Amazônia, as denúncias contra o Temer e, mais recentemente, a luta por moradia promovida pelo MTST.

Paula Lavigne. Temos que ter clareza sobre o que é uma reação cibernética e o que é uma reação contrária real. O que sentimos no dia a dia é mais aprovação e apoio do que agressões. Esse tipo de atitude é típica de haters, que só se manifestam pelas redes. A internet acabou encorajando muita gente a manifestar suas discordâncias e até o seus ódios sob uma pretensa proteção virtual. Agora precisamos estar muito atentos aos robôs e perfis fakes que existem e que agem, prioritariamente, para ataques e divulgação de calúnias, as fake news. A BBC fez uma matéria muito explicativa sobre isso, de como esses instrumentos foram utilizados para influenciar a opinião pública nas eleições de 2014. Precisamos iniciar um processo de entender o quanto a tão necessária regulamentação desses mecanismos é urgente. Já estamos atrasados.
Ainda que o poder exercido seja limitado, você acredita ser possível desestabilizar um sistema inoperante através da militância artística? Desestabilizar? Não queremos desestabilizar nada. Não é esse nosso objetivo. O que nos mobiliza é impedir mais retrocessos de direitos. É muito impressionante o ritmo com que conquistas da população estão sendo retiradas. A cada dia abrimos o jornal e parecemos estar voltando décadas no tempo. Isso é inadmissível. A classe artística brasileira sempre esteve mobilizada e teve importante papel em momentos muito relevantes da nossa história. Agora não é diferente. Estamos mobilizados para denunciar os retrocessos e preservar conquistas, como o enfrentamento ao trabalho escravo, a demarcação das terras indígenas, o direito ao aborto legal nos casos já previstos em lei, como em casos de estupro, a preservação da Amazônia, do meio ambiente, a liberdade religiosa etc. E para reivindicarmos avanços necessários, como o debate sobre a descriminalização das drogas, o casamento entre pessoas do mesmo sexo, por exemplo. Nos movimentamos a partir de causas.

Como surgiu a necessidade de encampar a causa do MTST? Lembro que você esteve no acampamento com o Vik Muniz, totalmente à vontade com a lógica do espaço. Desde que iniciamos esse ativismo, temos feito reuniões do 342 na minha casa, em que convidamos importantes personagens do cenário político nacional do campo progressista. E sem nenhuma discriminação partidária. Para dar alguns exemplos, estiveram conosco o Ciro Gomes, a Marina Silva, o Joaquim Barbosa, o Fernando Haddad e outros. E convido uma parte da classe artística a que tenho acesso.  Vem sempre quem quer participar de determinado debate. No dia que fizemos uma reunião com o Guilherme Boulos, houve uma adesão muito grande. Costumo brincar que houve um “efeito Boulos” em casa naquela noite, pois muita gente chegou preparada para encontrar um líder radical e intolerante que saía por aí invadindo casas e terrenos vazios, e conheceu um jovem com formação em filosofia e psicanálise, que explica de forma muito pedagógica como seu movimento se organiza e que ocupam áreas com dívidas e sem uso social. Causou uma excelente impressão. Inclusive em mim.

O que a motiva, para além das causas, a realizar esses encontros? Eu, antes de qualquer coisa, sou uma empresária. Tenho um senso muito pragmático das coisas. Gosto de conhecer bem como funcionam. Então eu e um grupo de artistas quisemos visitar a ocupação de São Bernardo e ficamos muito impressionados. Realmente me senti à vontade, porque você chega lá e percebe que são famílias de trabalhadores, muitas chefiadas por mulheres, que se organizam e que reivindicam algo que é básico: o direito à moradia. O que vejo na ocupação toda vez que vou até lá são pessoas que lá estão porque não têm outra opção, porque estão morando de favor, porque não conseguem pagar o aluguel ou porque realmente não têm para onde ir, e que naquele espaço encontram acolhida e muita força. Sei que muita gente preferia que essas pessoas, que são pobres, aceitassem suas condições caladas e longe da nossa realidade. Mas elas reivindicam. E com muita propriedade, afinal, o Brasil tem 6,2 milhões de famílias sem teto e 7 milhões de imóveis vazios. Ou seja, tem mais casa sem gente do que gente sem casa. Visitei também, junto com o Guilherme Boulos, o Condomínio João Cândido, em Taboão da Serra, e fiquei ainda mais impressionada, pois é a materialização da luta que deu certo. Os apartamentos construídos são de excelente qualidade, grandes e as pessoas que lá vivem estão felizes pela conquista. Esse condomínio surgiu a partir de uma ocupação e a construção foi viabilizada por meio do programa Minha Casa, Minha Vida Entidades. Com o mesmo valor que as empreiteiras construíam apartamentos de um ou dois dormitórios, foram construídos de três quartos, com varanda e mais dignidade. Isso empolga e motiva a nos mobilizarmos. Inclusive para preservação do Minha Casa, Minha Vida, em especial a modalidade Entidades, que foi abandonada pelo atual governo. É uma causa que vale a pena e fácil de resolver.

Vocês têm orientado suas pautas por ações momentâneas. Para além da luta que envolve o MTST, há novas ações previstas? Como falei, nos mobilizamos em torno de causas. São elas que nos escolhem e a sua urgência é determinada pela pressa dos retrocessos. A nossa agenda e o nosso ritmo têm sido tão rápidos quanto o desmonte de direitos.
Qual a sua avaliação sobre a atuação política de Guilherme Boulos, coordenador nacional do MTST? Há quem ache possível uma candidatura dele para as eleições do ano que vem. É notório que há uma grande desilusão com a classe política brasileira. Essa semana o Datafolha divulgou uma pesquisa em que 60% das pessoas rejeitam o Congresso Nacional. Isso acontece porque a população se sente cada vez menos representada pelos atuais políticos. Estamos discutindo no 342 e junto com vários outros movimentos a realização de uma convenção aberta no primeiro trimestre de 2018, democrática, popular, dos movimentos, coletivos e indivíduos que reivindicam um novo momento da política nacional e que se organizem em torno de causas. O Guilherme Boulos é uma figura que representa a urgência dessas reivindicações. Queremos os sem-teto, as mulheres, os indígenas, os negros, os LGBTs, os artistas, as feministas, enfim, os progressistas do Brasil  reunidos e reivindicando um projeto para as eleições de 2018, que de forma alguma se limita a um nome presidencial, mas que vise uma bancada no Congresso que represente essas pessoas e suas causas.

Créditos

Imagem principal: Mídia Ninja / Divulgação

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