Ele faz a casa de todas as casas

por Lino Bocchini
Trip #183

Na Love Story há 18 anos, seu João quase morreu espancado e diz que a casa não é puteiro

À frente do Love Story desde a abertura, há 18 anos, seu João está há 36 na noite. Aprendeu a ler aos 15, quase morreu espancado, diz que a casa é conservadora e recebe artistas, jogadores, garotas de programa e jornalistas com a mesma cordialidade

 

“As moças trabalham nas outras casas e depois vêm pro Love Story pra curtir, dançar, namorar. Aqui é o único lugar do mundo que a puta pode falar ‘não vou sair com você’ pro cara. Ela não tem obrigação, veio pra curtir. O cara aqui tem que caçar, conquistar ela de alguma maneira.” Muito agradável ouvir o que sempre imaginei ser um dos segredos do sucesso da casa da boca de seu maior representante, João Tiago de Freitas, 60 anos, ou seu João, que desde o primeiro dia gerencia e cuida do entra e sai do Love Story, lenda na noite paulistana inclusive para quem nunca foi. Nem desarmei o sorriso nostálgico de frequentador dos idos tempos e seu João confirma outra boa percepção: “Aqui vêm mulheres que não são da noite, não só prostitutas. Vem mulher de todo tipo, que trabalha em compensação de banco, telemarketing, artista... vem dançar, normal. A mulher hoje tá muito mais liberta do que há 15 anos, vem à caça também, olha pra você e diz ‘Quero dar pra você hoje!’. O Love Story dá essa liberdade. Melhor, desperta nela a puta adormecida. Ela vem aqui nesses ferrinhos e dança, se rebola aqui em cima, mostra a bunda, se transforma”.

 

Explicando melhor, principalmente pra quem nunca esteve por lá: o Love Story, que acaba de completar 18 anos, não é um bacanal. “A casa é meio conservadora, não passamos filme pornográfico, não tem strip, não pode tirar a roupa.” Desde que abriu, em setembro de 1991, é famosa pelo que descrevi acima. Foi planejada para ser ponto de encontro de quem trabalha na noite, seja garçom, maître, prostituta, segurança, o que for. “Era pra ser casa de encontro da xepa da noite, juntar todo mundo, daí o slogan ‘A casa de todas as casas’”, diz o gerente. A boate em frente ao edifício Copan, no centrão, é cara como um puteiro (cobra R$ 15 a meia cerveja e R$ 300 a garrafa de whisky mais barata) e é frequentada por garotas de programa, mas, acredite, não é um puteiro. É famosa, também, pelo horário de funcionamento. Abre meia-noite e dificilmente fecha antes das 9h – no antigo endereço, a duas quadras do atual, o agito podia se estender até meio-dia. No comando, desde sempre e todo dia, está ele, seu João. Há 36 anos o homem trabalha ali na região das ruas Major Sertório e Bento Freitas – “fui gerente do My Love 11 anos, aí vim pra cá. Só nessas duas casas são quase 30 anos”.

 

Nessas décadas viu histórias de sobra, mas promete contar as melhores apenas em um livro que pretende lançar para comemorar os 20 anos do Love. Lista muitos artistas que passaram por lá, e também jogadores de futebol, entre eles goleadores do Brasileirão 2009 e um da seleção, evangélico. Em um vídeo disponível no site da casa, aparecem fotos tiradas dentro da boate de alguns que passaram por lá: Luana Piovani (considerada a “madrinha” da casa por Seu João), Marcos Pasquim, Juliana Paes, o pessoal do grupo Earth Wind and Fire e do Harlem Globetrotters, Joana Balaguer, Bruno Gagliasso, o cantor Falcão, Carlinhos “Mendigo” e Debora Blando, entre outros. “Tratamos todos com a maior discrição possível. O cara fica à vontade e vai dançar, se descontrair como um qualquer. Não chamo a imprensa nem paparazzi pra encher o saco”.

 

Coração-melancia
Seu João é de Iturama, cidade do triângulo mineiro de 30 mil habitantes – “não passei fome, mas minha família era muito humilde, não tinha bosta nenhuma”. Frequentou escola por menos de um ano, aos 15, quando só então aprendeu a ler. Chegou a São Paulo jovenzinho e decidido: “Queria ser um profissional da noite”. É casado, mas confessa ser difícil. “Que mulher aguenta a vida duma desgraça que nem eu? [cai na risada]. Chega noite de Natal e eu tô aqui na ceia dos funcionários, fazendo farra com eles... que mulher aguenta?” E emenda: “Nunca fui a uma reunião familiar, nunca fui a um aniversário dos meus netos [são quatro, mais seis filhos, o mais novo de 4 anos]. Isso aqui envolve, toma 100% do tempo. É doença, sou doente por isso aqui”.

 

Realmente a rotina de seu João é pesada. Chega todo dia ao Love Story por volta das 20h, vê se está tudo certo, tira uma soneca em seu escritório-dormitório, veste o terno preto e vira seu João, gerente bonachão que dá desconto – “mulher não paga, e homem custa R$ 50, mas quase ninguém paga isso” –, mas que cuida com mão de ferro de tudo, dá esporro no segurança que esqueceu de fazer a barba. Antigamente ficava na porta até altas horas. Atualmente sobe para seu cantinho umas 2h, de onde acompanha o movimento pelas câmeras do circuito interno, descendo apenas de vez em quando. De manhã, despacha lá mesmo e só vai pra casa na hora do almoço.

 

O maestro, contudo, deu uma desacelerada. “A noite faz com que você aparente mais idade. Foi muita balada, muito álcool, muito cigarro, muita noitada... não fumo nem bebo mais há três anos, e reduzi o açúcar”, diz, mostrando um freezer cheio de congelados saudáveis. “O álcool dilata o coração, e o meu tava parecendo uma melancia. Agora melhorou. Morro de medo de morrer, cara, ainda tenho muita coisa pra fazer.” Seu João escapou da morte também em 2007, quando foi brutalmente espancado por um policial civil dentro da boate, e passou cinco dias na UTI. “Ele tava brigando com uma moça, fui intervir e ele me agrediu, agrediu os meninos, tava muito doido, muito drogado, bêbado e ainda com duas armas na mão. Tive traumatismo, quebrei a cabeça.”

Em meio aos 30 mil frequentadores por mês que estima receber, seu João rejeita só os muito bêbados. “Não deixo nem entrar. Ontem mesmo botei dois pra fora, porra, o cara já estragou a noite dele, vai querer estragar a minha?” Apesar desses pepinos, o único momento em que seu João reclamou mesmo de alguma coisa de seu dia a dia foi quando falou do som ambiente, um dance music alto e constante. “Se tocar isso no meu carro, eu bato. Não escuto mesmo. Gosto mesmo é de Trio Parada Dura, Cacique e Pajé e Chitãozinho e Xororó.”

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