Contradições
Pensemos um pouco nesse nosso mundo conturbado:
A ética que a vida moderna introjeta na humanidade não é fundamentada na reflexão sobre a responsabilidade de cada um sobre sua parte com relação ao todo. Antes é calcada única e exclusivamente na ação inspirada pelo oportunismo individualista. É, portanto, mais importante ter que ser. Os bens materiais estão mais valorizados que os morais e éticos (falar em moral e ética num tempo desses é quase pedir para ser linchado.). O processo parece querer nos remeter à barbárie novamente.
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É como sentisse funcionando o mecanismo que possui o meio social de esfacelar a identidade individual, para submetê-la à regras que o indivíduo nem ao menos sabe para que existem. A conseqüência imediata é a despersonificação do que se tem como valores maiores: bondade, justiça e amor.
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Desde muito cedo nos é ensinado a ser indiferentes com relação às pessoas que não conhecemos. Alias o desconhecido é sempre perigoso, orientam as mães a seus filhos com medo de seqüestros, pedofilia e atitudes semelhantes. Estamos habituados a cruzar nas ruas com indivíduos sem rosto, anônimos aos quais nos fazemos de indiferentes. Diante da dor e da miséria do outro, fazemos não enxergar porque aprendemos que isso não nos diz respeito. É culpa do governo corrupto e desonesto que não vê essas coisas. Chegamos ao cúmulo de julgar que tudo o que ocorre em nossa sociedade é uma questão de fracasso pessoal de cada um, sem ao menos considerar em que contexto cada situação esta inserida.
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Hoje os heróis são os líderes das facções criminosas que se organizaram. Não porque o povo goste da violência ou estupidez que eles praticam. Mas porque todos os outros líderes e heróis provaram-se mentirosos; estes pelo menos estão dizendo o que são e dando o corpo a balas pelo que afirmam. Coragem pelo menos pelo menos eles têm; o que não se pode dizer dos outros, não é mesmo?
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As mentes repressoras responsabilizam a liberdade pelo mau uso que se faz dela, e a democracia por todos os excessos que se comete em seu nome. Mas, não é porque não se pratica justiça social que não existe justiça social. Liberdade, democracia e justiça social são postulados humanos imbatíveis. O pouco que conseguimos nos capacitar para usufruir dessas fontes é o que há de melhor na coexistência social e humana.
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Não há mais certezas. Vivemos tempos de ambigüidades, o maniqueísmo reinante até então foi derrotado completamente. O mal convive com o bem e o sim com o não. A hipocrisia esta desmascarada. Traficante não é mais aquele que vende drogas ou armas. Esse é o “laranja”. O sujeito que vai para a prisão e compõe as estatísticas sobre prisões por tráfico, lavagem de dinheiro, suborno, etc. Traficante são os que investem sem querer saber para que finalidade esta indo seu capital, interessados somente no lucro. Os fins já não justificam mais os meios; ao contrário: os meios é que estão justificando os fins. Não existe nada puro, tudo esta misturado, miscigenado e maculado de alguma forma; não há mais inocentes. Mesmo porque não há mais garantias, nem do planeta, da vida ou de nada. Porque então capas para encobrir capas e esconder o insubstancial?
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Ultima:
No crime também houve contradições e grandes transformações. Por exemplo, as organizações criminosas iniciaram-se em 1920 e 1930 nos States. Aqui em São Paulo começaram somente agora, quase um século de atraso. Lá, uniam-se para se protegerem da pena de morte; aqui por conta da lei que exacerbava a penalidade e dificultava benefícios jurídicos para os crimes chamados de “hediondos”. Havia outras motivações poderosas também. A Lei do Cano de Ferro praticada pelos diretores das prisões e a criação do Anexo à Casa de Custódia e Tratamento para conter e submeter o presidiário em tempos de Ditadura Militar. O ladrão se transformou em bandido e, como sempre esteve por não participar, continuou banido do sistema social. Já o malandro tornou-se traficante primeiro para depois virar oportunista. Os especialistas afirmam que o homem gasta mais dinheiro com droga do que com alimentação. Este fato, de alguma forma, há de absorver o ex-malandro no conjunto social.
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Luiz Mendes
24/11/2009.