O desafio da nossa geração é buscar justamente o que não é convencional
Sempre existiu no Brasil um discurso dominante difundido pela mídia, por formadores de opinião e pelos donos do poder, nos lembrando da maneira como “as coisas são feitas por aqui”. Mesmo os movimentos de transformação, para sobreviver no país, teriam que dar um jeito para se adaptar ao establishment brasileiro. A geração da redemocratização, que lutou bravamente contra a ditadura militar, infelizmente foi atingida em cheio por esse discurso que dragou muitos dos ímpetos por mudanças para o que podemos chamar de posicionamento político convencional.
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Um exemplo disso são os acordos de governabilidade em que até partidos ditos de esquerda são capazes de se alinhar a coronéis das mais variadas bancadas de interesse do Congresso Nacional. Além disso, fica claro também que a geração da redemocratização apostou na ideia de que a democracia aboliria a violência tão presente no Brasil, onde a tortura era política de Estado no regime militar. Imaginou-se que a política de direitos humanos fosse uma espécie de novo símbolo ou estrutura central da nova democracia que nascia.
Não deu certo. A desigualdade, sempre presente no Brasil, nunca foi superada. As elites e suas estruturas não abriram mão de seus privilégios e a luta pelos direitos humanos ficou presa a uma bolha na qual movimentos mais puros da esquerda e da academia os defendem frente a um mundão no qual a violência desenfreada e o déficit educacional – marcas tristes da nossa desigualdade – prevalecem. Importante ressaltar aqui o respeito e a admiração às guerreiras e aos guerreiros que batalham todos os dias nas ruas e nas comunidades, mesmo nesse cenário adverso.
Falhou
Nesse sentido, o convencional gerou a tragédia da segurança pública em todo o Brasil, o terrível genocídio da população jovem e negra das periferias e favelas e a morte da brava vereadora Marielle Franco, que lutava justamente contra toda essa barbárie. O convencional sobrepõe problemas e transforma a agenda do país numa eterna reação sem-fim aos fatos gerados e derivados da desigualdade estrutural. Lutar contra as derivações nessa agenda de reação virou tanto o cotidiano de gente séria que resiste e merece todo nosso respeito, como a estratégia dos políticos picaretas e sem escrúpulos que só buscam o voto e usam as tragédias para deturpar a consciência nacional e garantir a continuidade daquelas bancadas escusas no Congresso Nacional e seus negócios nefastos.
Por mais que tenhamos avançado em alguns setores no processo de redemocratização, na verdade o que enxergamos hoje em dia é que o pacto com o convencional gerou um retumbante fracasso, personificado pela figura sombria e ardilosa de Michel Temer ocupando o mais alto cargo do país.
Nesse cenário, o desafio da nossa geração é buscar justamente o que não é convencional. Não existe pacto nacional em torno de um suposto crescimento que se sustente nesse cenário de desigualdade radical. Isso não é certo, não é justo, não é humano. Precisamos romper as bolhas, neutralizar o fogo amigo, não nos conformar com o discurso dominante da normalidade e dizer não a esse convencional caquético que fracassou.
Nós, democratas nessa terra arrasada, temos que estimular bons e jovens candidatas e candidatos a disputar as cadeiras dos legislativos brasileiros. Neutralizar o convencional a partir de suas bancadas de interesse é o marco zero de uma ação que busque transformação efetiva do Brasil. Que o exemplo de Marielle nos inspire.
Créditos
Imagem principal: Carol Ito