A exemplo do índice Big Mac, sugiro usar a altura dos muros em volta das moradias para medir os estágios de desenvolvimento dos povos. Quanto mais baixos os muros, maior o grau de civilização

Assim como a revista The Economist criou o índice Big Mac para comparar o custo de vida em diferentes países (baseado no preço do sanduíche, em dólares), eu fico tentado a adotar um único critério, a altura dos muros em volta das moradias, para medir os estágios de desenvolvimento dos povos. Quanto mais baixos os muros, maior o grau de civilização.

Não é um raciocínio assim tão aleatório, porque a humanidade sempre obteve as suas maiores conquistas intelectuais em ambientes arejados. Quanto mais cosmopolita uma sociedade, mais diversidade, mais convívio nos espaços públicos, mais cultura. Na Idade Média europeia, por exemplo, ninguém podia dormir realmente tranquilo. A qualquer momento, barcos normandos podiam encostar na praia ao lado, trazendo milhares de soldados com a intenção única de pilhar, matar, estuprar e escravizar. Ou o vizinho podia querer aumentar seu território. Ou hunos podiam... Enfim, você já entendeu, né?

Num mundo como aquele, morar bem era sinônimo de ter residências com muros altos e fortes, com seguranças bem treinados e armados, dando plantão 24 horas por dia – ou seja, era viver em castelos. E, com as pessoas temendo umas às outras e trancadas dentro de casa, a arte, a ciência e a filosofia pouco avançaram. Alguns séculos antes, Roma propunha um modelo completamente diferente de urbanismo: as casas eram mais abertas, as cidades recebiam comerciantes de todas as partes do império, as pessoas se encontravam nas ruas, conversavam. Não era um mundo perfeito, mas pelo menos, durante o apogeu daquela civilização, a vida seguia na maior parte do tempo sem sobressaltos. E o teatro, a poesia e outras artes floresceram.

 

Sem muros

Quando eu era garoto, passei alguns dias na casa de amigos da família na Califórnia. A primeira coisa que me chamou a atenção foi que as casas não tinham muros, nem en-tre vizinhos (no máximo uma cerca viva baixa) nem na rua (da calçada se podia ver dentro das casas). Anos depois, na década de 80, um amigo viajou para a Colômbia. Voltou estarrecido com o que viu: no bairro em que se hospedou, um dos mais elegantes de Bogotá, todas as casas tinham muros altos e guaritas com seguranças armados com metralhadoras.

Os colombianos viviam espremidos entre guerrilha e narcotráfico, com a indústria do sequestro prosperando como nunca, e quem podia se protegia. Nós nunca fomos a Califórnia, é óbvio. Mas também não éramos a Colômbia. Agora somos. E não a Colômbia de hoje, mas a de 20 anos atrás. Cada vez mais as casas e os prédios são cercados por muros altos, grades, cercas eletrificadas, câmeras de segurança, alarmes e, quando se pode pagar, vigias armados usando coletes à prova de balas. Não é uma estrutura urbana voltada para o convívio nos espaços abertos, onde respiram a diversidade e a cultura. A rua é vista como perigosa, e circular a pé, como coisa de maluco disposto a correr riscos desnecessários.

Sob muitos aspectos, é inegável, o país melhorou. À parte a atual crise econômica e política, vivemos em uma democracia, temos mais gente estudando, a distribuição de renda evoluiu. Mas nem tudo vai bem. E os muros altos protegendo nossos lares são um sintoma disso. A violência urbana aumentou, a polícia mata mais do que antes e nós somos cidadãos que têm medo uns dos outros. O lar dos nossos sonhos é a versão moderna de um castelo e somos recordistas mundiais em blindagem de carros. Nosso estilo de viver e de morar, não tenha dúvida, faria um sucesso danado na Europa dos tempos do rei Frederico Barba-Roxa. O que significa que, do ponto de vista de construção de muros, estamos bem. Mas, quanto à construção de uma sociedade civilizada, nós vamos muito mal.

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