por Henrique Goldman
Trip #125

Nosso colunista-viajante passa os olhos por uma bizarra exposição de produtos brasileiros em Londres

Faz uns dois meses, estava num ônibus no centro de Londres quando me deparei com um enorme Cristo Redentor de braços abertos em plena Oxford Street. Era uma promoção da loja de departamentos Selfridges, a mais famosa do Reino Unido, que tinha o Brasil como tema do mês. Surpreso, desci correndo para ver. A cópia do Cristo Redentor foi um presente do prefeito do Rio de Janeiro.

O tema da vitrine era a cozinha de uma casa supostamente brasileira decorada em autêntico estilo "pobrezinho-mas-asseado". Essa imagem de pobreza decente e cordial se inspira no bom selvagem idealizado por Rousseau. Que bom seria se todo pobre fosse limpinho e soubesse qual é o seu lugar.

Os três andares dedicados à "marca Brasil" estavam repletos de bugigangas de quinta, roupas fuleiras e apetrechos de macumba para turista. A única exceção eram as três gostosas no departamento de lingerie que demonstravam o produto no próprio corpo com olhar de "compra que eu dou".

No luxuosíssimo departamento de comidas da Selfridges, num canto perto do balcão de caviar, uma baiana vestida de branco com turbante e tudo estava sentada diante de um tabuleiro. A moça, coitada, estava bodeadíssima, quase ninguém queria provar seu acarajé. Eu comprei. Tinha gosto de falafel. Não consegui ver tudo. Me deparei com um grupo de ingleses gingando numa roda de capoeira e fui embora nauseado - sem me reconhecer naquele mundo ridículo que me estava representando.

"O Brasil vive um período muito interessante aqui no Reino Unido", explicou Felipe Fortuna, o adido cultural da embaixada brasileira em Londres, à revista Jungle Dreams. "Isso tem a ver com a eleição do Lula, que gerou esperança de que o país pode reverter os quadros sociais."

Ignorância seletiva

Discordo do nosso adido cultural (pensei em escrever "fodido cultural", mas preferi perder a piada. Não conheço a pessoa e não tenho a menor vontade de ofender). Quase ninguém na Inglaterra e na Europa tem a menor idéia de quem seja o Lula, e o desinteresse pelo Brasil é quase total.

A cada ano eles se apropriam e banalizam a cultura de um país diferente. Já teve a vez do Japão, de Cuba e do Marrocos. No ano que vem podiam usar, por exemplo, o Sudão, onde milhões de pessoas estão ameaçadas de morrer de má nutrição. Na verdade, não gosto de desempenhar esse papel de chato que fica estragando a festa dos outros. Não gosto daqueles que dedicam a vida a dizer que os outros são imbecis. Foi um evento meio besta, mas talvez não merecesse tanto veneno da minha parte. O imbecil sou eu mesmo.

Sotaque

Recebi um e-mail da Isabella, uma leitora, reclamando da chatice das minhas colunas. Ela disse, entre outras coisas: "O que me irrita mesmo é essa sua paranóia de não morar no Brasil, de ser casado com uma inglesa, ser judeu, ter viajado pelo mundo etc.". Ela segue implorando para que eu explore outros temas. Prometo tentar, Isabella.

Mas não resisto a uma última menção à minha experiência pessoal: ensinei minha mulher, que não fala português, a dizer "bom pra caralho" ou "feio pra caralho". E ela insistia em dizer "bom de pra caralha" ou "feio de pra caralha". Desisti de corrigi-la quando percebi que algo bom ou ruim "de pra caralha" é muito melhor. "De pra caralha" é muito bom.

fechar