Liberte-se da mente

O aplicativo de um ex-monge budista inglês que popularizou a mindfulness, técnica de meditação laica usada desde 1979 para tratar estresse e ansiedade

Em uma conferência no começo deste ano, o programador eslovaco Igor Minar contou de sua experiência descobrindo o quão difundida a técnica de meditação mindfulness é dentro do Google. "Eu continuava encontrando referências ao mindfulness. Havia equipes fazendo cursos de treinamento, organizando meditações coletivas", disse Minar. "Obviamente essa era uma coisa muito importante para várias pessoas."

Foi assistindo a essa palestra que o também programador Filipe Deschamps, 31 anos, descobriu a prática e o Headspace, um aplicativo de meditações guiadas fundado pelo ex-monge budista inglês Andy Puddicombe, 42 anos (foto ao lado). "Já no quarto dia comecei a sentir que tinha alguma coisa diferente. Mas é que nem na academia: quando você começa a treinar e se olha no espelho, não vê diferença nenhuma. Não é que não tem, é que você ainda não consegue ver", conta Filipe.

Puxando ferro

A comparação com exercícios físicos é uma que o próprio app faz, com o slogan "uma assinatura de academia para a mente" e imagens fofas de cérebros fazendo musculação. Com uma proposta de meditações diárias de 10 minutos, o app pretende mostrar como a prática pode ser parte do dia a dia moderno: "Meditação é inesperadamente simples", escreveu Andy no Twitter. "A mente divaga, a divagação é observada, a divagação é abandonada, a atenção é suavemente restabelecida. E repita."

Com mais de 2 milhões de usuários e fãs como Emma Watson e Arianna Huffington, o app também é sucesso entre as empresas de tecnologia, como o Google – tanto que a empresa transferiu a sede de Londres para a Califórnia (mas também porque Andy, após largar a vida de monge, voltou a uma paixão antiga: o surf; ele vai para o mar todo dia, depois de meditar por 1 hora.) Segundo a empresa, o uso do aplicativo melhora o sono e diminui o estresse e a ansiedade.

Para Filipe, a experiência foi transformadora. "É uma coisa maluca o quanto muda, principalmente com a ansiedade", ele diz. "É outra vida." Filipe começou a usar o app há quatro meses e além do treinamento básico (que dura 30 dias, os 10 primeiros grátis) já fez os específicos para criatividade e auto estima. Há vários pacotes temáticos – o mais recente, lançado mês passado, para grávidas.

As técnicas de mindfulness têm origem nas religiões orientais, principalmente no budismo. Mas a forma atual, pragmática e despida de espiritualidade, começou com o americano Jon Kabat-Zinn, que em 1979 fundou na Universidade de Massachusetts um programa para tratamento de saúde baseado em mindufulness.

No Brasil, existe desde 2011 na Universidade Federal Paulista (Unifesp) o programa Mente Aberta – Mindfulness Brasil, que organiza grupos para pacientes do SUS e faz pesquisas sobre a técnica, traduzida em português como atenção plena. "Há uma gama grande de benefícios para pacientes. Principalmente ansiosos, depressivos e quem sofre de dor crônica", explica Marcelo Demarzo, 42 anos, professor da Unifesp e coordenador do projeto. "Para quem não tem doenças, ela aumenta a qualidade de vida e pode previnir quadros futuros."

Marcelo, como médico de família, sempre foi interessado em formas pelas quais as pessoas cuidam da própria saúde, como exercícios físicos e ioga. "Há uns dez anos conheci o mindfulness Testei em mim primeiro, depois fiz vários cursos", ele diz. "Hoje dou aula, trabalho com pacientes e pesquiso também." O mindfulness começa a chamar ainda mais a atenção, segundo Marcelo — são em média 200 novos estudos científicos sobre a prática publicados por mês – mas no Brasil ainda está chegando. "Estamos fazendo uma rede, juntando vários centros pra criar diretrizes de boas práticas", afirma.

Pra vida toda

A meditação propriamente dita, de olhos fechados, é só uma parte do mindfulness, embora uma parte bastante importante. Depois, há também exercícios para fazer atividades cotidianas – comer, andar, sentar – com atenção plena. O grande objetivo da prática é trazer a atenção dos exercícios para o cotidiano. "A meditação formal é muito importante e essencial, mas no fim é um modo de lidar com a vida, de encarar tudo", explica Moira Malzoni, 39 anos, que estudou mindfulness na Universidade da Califórnia, em Los Angeles.

Praticante desde 2012, Moira hoje é facilitadora de meditação e fundou o programa Moved by Mindfulness, em que dá aulas de técnicas de atenção plena em São Paulo. Para ela, embora a técnica seja desvinculada do budismo, "aprofundar o lado espiritual é uma consequência a longo prazo". "Mas cada um pode aprofundar do seu jeito", diz. "Não existe certo e errado, existe o momento como ele é: o mindfulness traz essa proposta como exercício, e, posteriormente, como uma coisa para a vida."

Basta, muito mais do que ler este texto, um instante de olhos fechados por dia. Como também tuitou Andy Puddicombe: "Palavras sobre meditação são só palavras. É em tirar um tempo para sentar e praticar que nós experimentamos os benefícios".

 Vai lá: headspace.com, mindfulnessbrasil.com, movedbymindfulness.com

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