Na Holanda, a mesma população que debate o sentido da monarquia no século 21 enche as ruas para beber em nome do rei
Todos os anos uma multidão vestida de laranja toma as ruas de Amsterdã e da Holanda inteira para celebrar a realeza. O aniversário de Sua Majestade, o rei Willem-Alexander Claus George Ferdinand, no dia 27 de abril, é o maior feriado nacional. No Koningsdag ou King’s Day, a capital inteira vira Carnaval misturado com um imenso brechó a céu aberto, num desfile cívico às avessas. A mesma população que debate o sentido da monarquia no século 21 enche as ruas para beber em nome do rei.
É simples entender porque o feriado é tão esperado. Apesar da fama de cidade liberal, com seus coffee shops e prostitutas nas vitrines no Red Light District, Amsterdã tem um lado bem conservador. É proibido beber na rua, exceto em áreas determinadas. E a multa por desobediência é pesada, de até 90 euros (R$ 315), podendo se estender para um convite à delegacia. Mas no King’s Day, tudo é liberado, ou quase – a maconha continua restrita aos cafés.
Nas zonas residenciais mais afastadas do centro, as calçadas são ocupadas desde cedo por uma gigantesca venda de garagem coletiva. Os moradores organizam brechós e tentam se desfazer de toda espécie de quinquilharia: de brinquedos usados a roupas velhas, de objetos obsoletos a itens de pouca utilidade. Mas quem gosta de garimpar pode achar pequenos tesouros por poucos euros, como candelabros de gosto duvidoso ou uma caixa com dezenas de bolas de golfe, por exemplo. O cenário lembra um pouco as feiras de antiguidade da Benedito Calixto e do Bixiga, em São Paulo, mas sem a pretensão de parecer descolado. Vender objetos de segunda mão em feiras de rua, ou vrijmarkt, como eles chamam, é algo tão típico na Holanda quanto beber Heineken.
No King’s Day, a população de Amsterdã, estimada em 850 mil pessoas, pode triplicar com a chegada de turistas de cidades próximas e de outros países (é bom evitar o aeroporto). As ruas do centro ficam tomadas, com festas e palcos de música eletrônica a cada esquina. Por um único dia, andar de bicicleta na capital torna-se praticamente inviável.
É nessa data também que o RAI Amsterdam, o maior centro de convenções do país, recebe o Kingsland Festival, principal evento de música eletrônica da Holanda. A entrada custa 40 euros (R$ 140) e a festa vai do meio-dia às 20h. Este ano, as grandes atrações eram os DJs holandeses Martin Garrix e Tiësto. Na entrada um enorme cartaz chama a atenção: "Tolerância zero. Deixe suas drogas aqui". A caixa estava vazia.
A melhor opção para quem quer aproveitar o King’s Day é explorar a cidade a pé. A cada quarteirão é possível encontrar uma atração diferente, como palcos de música eletrônica, artistas de rua, pequenos parques de diversão para crianças e adultos ou quiosques de comidas e bebidas de diversos países – entre eles uma barraca verde e amarela, comandada pela brasiliense Flor Latina, que vende durante a festa até 400 caipirinhas, por 5 euros cada.
Ao circular pelo King’s Day, você pode se deparar com um grupo de jovens bêbados cantando "Parabéns pra você" em frente ao Palácio Real, na Praça Dam, ou jogar ovos na cara de um holandês por apenas 1 euro. Além das pessoas vestidas de laranja pelas ruas, os canais da cidade também são ocupados por um desfile de barcos abarrotados de pessoas bebendo e festejando, cada um com sua aparelhagem de som.
O teor alcoólico coletivo é alto, mas não pense que você irá encontrar um amor de Carnaval tão facilmente ou assistir várias holandesas aos beijos. Falta um toque brasileiro nesta tradição centenária de beber em nome do rei.
Mesmo com uma temperatura que chega a 6 graus Celsius durante a noite e com um dia útil começando em breve (fosse no Brasil, o King’s Day viraria feriadão prolongado), todos querem aproveitar ao máximo o raro dia em que é permitido beber na rua. Mas a partir das 21h a festa chega ao fim – sem os jatos de água ou as bombas de efeito moral que se tornaram cena comuns no fim do último Carnaval paulistano
A música acaba e a população se dispersa. Muitos vão para casa e outros vão para baladas em Liedseplein ou para coffee shops no Red Light District. Lá sim, o King’s Day não tem hora para acabar.
Créditos
Imagem principal: Felipe Seffrin