Amizade selvagem

Mendes: ”Cheguei ao cúmulo de matar para defender um amigo na prisão”

Sou um pouco fanático pelas pessoas que eu amo. Quando jovem cheguei ao cúmulo de matar para defender um amigo na prisão - estratosférico equívoco que custou uma vida e décadas da minha liberdade

Mercedes Sosa, interpretando Violeta Parra, canta que tem tantos amigos (“hermanos”) que não os pode contar. E era assim que eu sonhava em ser. Seguir a vida, conquistando amigos a quem me dedicar, trocar e cuidar. Mas não sou nada simpático e, provavelmente, nem tenho toda essa capacidade de amar. É frustrante, esses limites chegam a doer. Às vezes sou até inconveniente, por mais que lute contra a minha ignorância. 

É obvio que há quem goste de mim assim mesmo. Tenho amigos, e grandes amigos. Pessoas que realmente não se importam com minha estupidez galopante. E como são importantes para mim... Talvez eles nem imaginem o quanto. Poucos, mas firmes, consistentes e sólidos. Posso contar com eles.

Sou um pouco fanático pelas pessoas que amo. Hmm... Elas me matam de saudade! Mais selvagem, com 21 anos, cheguei ao cúmulo de matar para defender a vida de um amigo. E na prisão. Estratosférico equívoco que custou uma vida humana e décadas de minha liberdade. Depois que nasceram meus filhos, não poderia mais fazer tudo por um amigo. Teria que pensar neles primeiro.

Preciso ser aprovado e aceito. É importante para mim. Isso nunca teve importância de fato, já que vivi sempre à margem da sociedade. Já hoje é fundamental. Há décadas venho me esforçando muito. Luto para vencer o individualismo e participar, de corpo e alma, da vida das pessoas.

O que prevalece na nossa cultura é a competição, margens de lucros, índices de vendas a serem alcançados, a disputa insana pelo dinheiro e pelo poder a qualquer custo. Deixou até de ser pessoal. O sujeito acaba com o outro e diz, como a se justificar: “Nada pessoal, só negócios”. Nunca soube disputar e ser amigo ao mesmo tempo. Não tenho esportividade, diziam. Talvez seja passional em excesso.

Vida dura 
Parece que vivemos arrastando todo o peso do passado da humanidade nas costas. Provavelmente é por conta desse arrasto que a vida cansa e é tão dura. Prevalece sempre evoluir, produzir, consumir, desenvolver e modificar. Enfim, trabalho contínuo. Amar, servir, ter comportamento humanitário, nobreza de propósitos, prazer de viver e ser amigo são itens para se pensar depois. E é assim que somos incompletos e nunca estamos satisfeitos.

Dinheiro é importante, mas acredito que ter amigos e bons relacionamentos é muito mais. São meus amigos que fazem minha vida importante. São eles que me socorrem e que me fazem estar aqui a postos, disposto a apoiá-los caso necessitem. Amigo é esse sorriso espontâneo que aflora na boca ao pensar nessa gente do meu coração.

Erich Fromm afirma que existem duas formas de amar. Amar porque se necessita do ser amado, ou necessitar do ser amado porque o amamos. Acho que misturo ambas as formas criando uma terceira via. Necessito de meus amigos porque amo cada um deles; mas também gosto deles porque preciso deles. Assim como eles necessitam de mim. Gosto de ser necessário. É um prazer poder ser útil a eles, até procuro como ser útil. Trocamos. Necessitar faz parte de viver. Sou humano e estou vivo, logo necessito.

*Luiz Alberto Mendes, 58, é autor de Memórias de um sobrevivente. Seu e-mail é lmendesjunior@gmail.com

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