Achados e perdidos na Flip

por Daniel Benevides

Nem Sophie Calle, nem Gay Talese: o gringo quente em Paraty é o surfista Jadib Bergarin

Enquanto Richard Dawkins discute a existência de deus e arregimenta fiéis da ciência, Gay Talese desfila seus ternos multicores e ensinamentos sobre o velho novo jornalismo e Sophie Calle mostra que um pé na bunda também pode ser uma obra de arte, o catalão Jadib Bergarin, surfista mendigo com muito orgulho, leva a si mesmo para passear pelas tendas da Flip em Paraty como se o mundo lhe pertencesse e não houvesse nenhum problema sobre a Terra.

Parcialmente alheio á agitação em torno das celebridades literárias, Bergarin, atado a uma coleira de cachorro na perna, poderia estar num livro do colombo-mexicano Mário Bellatin, conhecido por seus estranhos ganchos literários. Ou fazer coro numa polifonia de António Lobo Antunes, enriquecendo com sua marca pop-bizarra (cabelos parafinados, óculos rayban, anéis de lata, correntinha no peito, barba grisalha denotando seus 49 anos e um bronzeado de quem dorme na rua) a escritura barroco-visceral do português.

Coçando os pés nas havaianas que já desmancharam e têm muito cheiro, Jadib, nascido em Barcelona, mostra qual é sua filosofia de vida: "Você tem que fumar maconha, tomar pinga, tomar cerveja - essas são as coisas importantes da vida." Mas qual o sentido da vida? Ele responde, na lata, hedonista irredutível: "ter prazer, ser gostosão, ser você mesmo, não fazer arruaça, não fazer mal aos outros e...mulheres bonitas!" E o sentido da morte? "Ainda não conheci", diz, distraidamente, com uma pontinha quase invisível de ironia.

Pergunto da coleira na perna. Ele explica que é para o cachorro não se perder - ele encontra o dono pelo cheiro de seu colar de couro. Jadib, o surfista mendigo, mora na rua, surfa em Trindade, guarda sua prancha na casa de amigos, mas é mecânico formado de motores de barcos e de caminhões. Diz que já remontou uma Harley Davidson de "rabo duro" e câmbio na mão, com três marchas, com selim de bicicleta, e que viajou com ela pela América do Sul. Conta ainda que um japonês da H Stern lhe deu pó de ouro para enfeitar a moto que já vendeu.

Jadib, o surfista paratiado, Asterix do prazer, está na cidade há 28 anos. "Preferi ficar aqui, no paraíso. Eu tinha medo da igreja do Gaudí, das sombras de lá." Marcado no rosto, que mais parece um sapato velho, declara, bravateiro: "Eu quero ser feio, não bonitinho que nem essas pessoas aqui", e aponta para a multidão que se acotovela nas filas da Flip. Diz que lê e que conhece todos os escritores. "Olha lá o Paulo Coelho", se anima quando passa um senhor careca de rabinho de cavalo. E garante que vai soltar a língua com os convidados internacionais da Flip, pois sabe inglês, francês, catalão e alemão. "Eu hablo", diz, pra provar.

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