Vinte anos depois do último lançamento, o quarto filme da série pós-apocaliptica estreia nos cinemas. Convidamos o escritor, e fã da saga, Daniel Galera para comentar sua relação com o mundo criado pelo diretor George Miller
Para a geração que cresceu nos anos 1980, o mito do herói solitário dos cinemas trocou a espada pela escopeta e o cavalo pelo automóvel. Não que caubóis, samurais e agentes secretos tivessem perdido o encanto, mas as novidades eram o Cobra Plissken de Fuga de Nova York ou o patrulheiro Mad Max pilotando seu V8 despedaçado nas planícies de uma Austrália pós-apocalíptica.
Eu era muito jovem quando assisti ao primeiro Mad Max (1979) e nos anos seguintes lembrei de pouca coisa além das cenas finais, em que Max Rockatansky se vinga dos delinquentes que assassinaram sua esposa e seu filho pequeno. A violência e os choques entre veículos eram marcantes para a época, mas o mais perturbador era a forma como o diretor George Miller cristalizava seu protagonista em um espectro amargurado. Depois de algemar o último bandido a um carro prestes a explodir, Max entrega-lhe um serrote, dá as costas e pega a estrada rumo ao horizonte da loucura. Revendo o filme recentemente, o que mais me chamou a atenção foi a concepção do cenário pós-apocalíptico. O mundo parece em vias de acabar, como se a verdadeira ruptura ainda não tivesse ocorrido. A polícia ainda tenta prender os bandidos como em qualquer lugar. Max leva a família para um retiro idílico à beira-mar. O clima é o de uma cidade longínqua de fronteira. Desolador, sim, mas ainda estamos na civilização.
A ruptura com nossa ideia de civilização se daria com o seminal Mad Max 2: a caçada continua (1981), tradução panaca para o original The Road Warrior. Aqui já não há sinais da civilização. Todos são mercenários procurando sobreviver de alguma forma num deserto efetivamente pós-apocalíptico, no qual a gasolina se tornou o bem mais precioso. Mel Gibson parece ter envelhecido uma década desde o filme anterior. É famosa a história: Gibson obteve o papel no primeiro filme, sua estreia no cinema, porque foi ao teste de elenco com o rosto detonado após uma briga de bar. No segundo filme, seu visual de lutador clandestino em trajes de couro ganha contornos míticos, ressaltados por uma noção algo cristã do flagelo físico como caminho para a redenção.
Podemos ligar o mundo de Mad Max 2 aos temores pós-Guerra Fria e à crise do petróleo, mas o longa sobrevive mesmo como pura experiência cinematográfica: é um dos mais eletrizantes e brutais filmes de ação já feitos e um marco de direção artística, com seus figurinos punk-sadomasô e veículos delirantes feitos de sucata. George Miller deu outro salto com Mad Max – Além da Cúpula do Trovão (1985). A ruptura aqui é com o realismo. O filme parece se inspirar em sucessos de aventura como Os caçadores da arca perdida. A cidade de Bartertown, liderada por Tina Turner, é um freak show medieval. O centro do filme é a tribo de crianças que sobrevive em um oásis depois de um acidente aéreo pré-apocalíptico. Elas elegem Max como seu improvável salvador, o que confere ao longa um humor tipo Sessão da Tarde. O filme carece da força e coesão narrativa dos antecessores, mas tem um furor criativo juvenil que merece respeito.
Pelo que se viu nos trailers, o quarto episódio da série, Mad Max: estrada da fúria, combinará a brutalidade e as perseguições de carro extremas do segundo filme com a imaginação do terceiro. É o suficiente para induzir frêmitos nos fãs de filmes de ação pós-apocalípticos. Se trouxer também algo parecido com a violência disruptora dos dois primeiros filmes, teremos um clássico.