A Cannabis retorna para a prateleira certa (até que enfim!)

por Fabricio Pamplona

”É uma vitória do bom senso, da racionalidade e da ciência. E uma derrota para o preconceito e obscurantismo”, escreve o pesquisador Fabricio Pamplona

Início do ano passado saiu o resultado do comitê de experts da OMS que se debruçaram sobre a seguinte pergunta: "Será que a Cannabis tem valor terapêutico para reclassificarmos esta planta?". Na época, eu escrevi um texto entusiasmado, mas mencionando que esse era só o relatório do painel de experts, e que a conclusão precisava ser acatada pela ONU para ser efetiva. Sem esse "aval", de nada valia o report. Pois esse dia finalmente chegou.

É uma vitória do bom senso, da racionalidade e da ciência. E uma derrota para o preconceito e obscurantismo. Uma coisa bastante peculiar sobre esse documento: a avaliação dos experts recomendou a proibição global da Cannabis na convenção de drogas de 1961 e foi a pedra fundamental sobre a qual a campanha de proibição foi arquitetada. É, meus amigos, o jogo virou. Agora, esse mesmo painel da OMS reconhece que fez cagada e volta atrás, pois a maconha medicinal é um fenômeno forte e relevante demais para ser ignorado.

Queria saber quem vai limpar a casa agora e voltar atrás com todas as pessoas que sofreram as consequências nefastas da guerra às drogas ao longo destes anos todos… Mas vamos por partes. Qual o significado dessa mudança de "opinião" com a retificação do relatório na ONU? Simbolicamente enorme, e pragmaticamente ainda apenas um passo simbólico. 

Digo isso porque o posicionamento da ONU é apenas um indicativo e não obriga nenhum país a segui-lo. Agora, a tendência é inevitável, mais cedo ou mais tarde todos os países do mundo devem descriminalizá-la e pelo menos autorizar o uso medicinal. Há quem considere que isso não é necessário para apagar os prejuízos causados pelo passado recente, e nefasto, da guerra às drogas. Por outro lado, é um avanço que reconhece o poder dessa planta usada há milênios e a coloca na prateleira correta, a das plantas medicinais.

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Na prática, a reclassificação apenas faz com que os países tenham maior liberdade para implementar políticas progressistas em relação ao tema, sem sofrerem sanções ou pressões diplomáticas, como aconteceu com Canadá e Uruguai, os grandes pioneiros dessa nova onda verde. 

Ao invés de uma planta proibida que "deve ser erradicada do planeta", agora a Cannabis figura na prateleira nobre das plantas consideradas medicinais, mas que devem ser tratadas com muito cuidado, dado o potencial narcótico. É justo. Por consequência, os canabinoides deixam de ser considerados proscritos para serem considerados substâncias medicinais controladas, muito parecido com os opioides derivados da papoula, por exemplo. Era um processo que já vinha acontecendo com o CBD e agora engloba a Cannabis, e também o famigerado THC. 

No Brasil, infelizmente a história pode demorar um pouquinho para ser atualizada, porque estamos sob um governo que é publicamente contra esse processo. Na votação, o Brasil passou vergonha ficando do lado dos países conservadores, retrógrados e que insistem em negar a ciência e todas as milhares de vidas impactadas positivamente pela Cannabis medicinal em todo o mundo. E pior que não foi a primeira vez, essa história se repete... O infográfico acima mostra o posicionamento de todos os países que votaram.

Meu muito obrigado aos representantes progressistas do Canadá, Estados Unidos, México, Equador, Colômbia, El Salvador, Jamaica, Uruguai, Suécia, Suíça, Alemanha, Holanda, Polônia, República Tcheca, Áustria, Croácia, Bélgica, Inglaterra, França, Espanha, Itália, Marrocos, África do Sul, Índia, Nepal, Tailândia e Austrália. Vocês ficaram do lado correto da história e lavaram nossa alma.

A consequência direta é que pelo menos agora as autoridades brasileiras tem mais respaldo internacional e quem sabe apoio parlamentar para realizar essa reclassificação de maneira sólida no Brasil, o que abre diversas portas. Uma delas, que vem na sequência, é permitir o cultivo em solo nacional. Logo depois, entender que o óleo de cânhamo é mais um alimento do que um medicamento, e quem sabe a gente evolui daí pra melhor. Foi um passo importante, mas precisamos avançar mais. Vem aí o PL399/2015… Quem sabe agora pra valer.

Créditos

Imagem principal: Felipe Navarro

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