A banalidade da vida e da morte

por Luiz Alberto Mendes

Chocado, Luiz Mendes entre as vidas roubadas numa cidade como São Paulo

Numa dessas tardes em que o sol, cansado de pintar os telhados de amarelo, se infiltra por entre os edifícios, esparramando sua luminosidade irregular pelas calçadas, eu costurava o tempo com assobios ao vento. Estava subindo a rua Teodoro Sampaio, para encontrar dois cineastas que queriam comprar os direitos de filmagem dos meus livros. Estava cheio de grilos quanto ao contrato. Não sabia em quais bases acertar a venda.

De repente, não mais que de repente, como diria o poeta, fui parado pelo choque. A vida, como sempre, atrasada em encontros vazios, chegava com passos de culpa. Cheiro de pólvora queimava as narinas acidamente. No chão, um jovem baleado. Seu sangue escorria por baixo de seu corpo. Policiais o rodeavam, de armas embaladas nas mãos, como se fosse possível reação da vítima, talvez já morta.

Pessoas se aglomeravam ao redor, ansiosas. Não entendo bem essa necessidade de ver a desgraça alheia. O comentário é que ali jazia um bandido. Acontecera um assalto. A polícia interveio. Tiroteio. Aquele jovem restava ali ferido ou morto. Alguns diziam que deviam matá-lo de uma vez. Pelo menos não daria trabalho para o governo. Fiquei olhando, ouvindo, e uma profunda compaixão me acometeu. Vítimas da violência, essa praga a flagelar o homem desde a pré-história.

O jovem, vivo ou morto, aguarda a ambulância. Os policiais, em sua triste e miserável profissão de proteger, prender, ou matar; ali salivando, excitados e com sangue nos olhos. O povo sedento de sangue e emoções violentas por conta da rotina de suas vidas vazias. Eu, ali pregado ao chão, sem conseguir me afastar daquela desgraça toda. Às vezes, o gozo da liberdade, após tantos anos na prisão, como tem sido meu caso, é o mesmo que uma pessoa que sabe que vai morrer.

A vida assume uma gravidade que pulsa envolta em escuro e fumaça. Tudo fica elástico como sustenidos e plástico como bemóis. Corpúsculos, neutrinos e fotons ficam como ventos desorientados a voar borboletas.

Os nós da ignorância parecem ser aos poucos desatados. O sofrimento humano fica próximo, cada vez mais próximo. Tudo brilha como relâmpago. As cores, de tão vivas, explodem e dominam os olhos a ponto de não conseguir fechá-los. Toda palavra atravessa e trava na garganta. Às vezes, como nesse pequeno grande encontro com a morte, mais uma vez, sou apenas um homem que quer chorar, sem soluções. Sempre desejei viver na ponta da existência. Busquei desenvolver um sentir central das coisas e, nessas ocasiões, vejo o tempo escapulir de mim. Ruídos inaudíveis me remetem ao impensável. Nós somos assim, toda vida é continente que se perde em horizontes e ilhas.

Continuei andando, agora solidamente, perdendo-me entre vitrines e carros que quase me atropelavam. Como é dolorido tudo isso! Tudo deixa de acontecer lá fora e parece que é dentro de mim que acontece. Sobreviverá o jovem ferido? Já não estará morto? A multidão conseguirá ultrapassar a curiosidade mórbida e chegar à sensibilidade? E eu, quando deixarei de pensar, imaginar e passarei a viver? E o que importa?

fechar