Sophia Bisilliat: Sempre me senti bem no presídio

por Redação

Ativista social conta sobre trabalho no Carandiru, onde começou a atuar com dezessete anos, fala de como infância a levou a se dedicar ao próximo, e explora relação com o dinheiro

Neta de um diplomata e filha de uma artista genial, Sophia Bisilliat tinha tudo para escolher uma vida diferente. Durante muito tempo, no entanto, ela sentiu culpa pela condição social em que nasceu. Ainda adolescente, passava de metrô em frente ao presídio do Carandiru e sentia uma vontade inexplicável de explorar um mundo que em quase nada tinha a ver com o seu. É verdade que o trabalho com povos indígenas e sertanejos de sua mãe, a celebrada fotógrafa Maureen Bisilliat, possa ter plantado a semente do ativismo social em Sophia, mas, por outro lado, Maureen viajava muito e foi pouco presente em sua criação.

Hoje com 58 anos, Sophia pela primeira vez conseguiu alguma estabilidade financeira como professora de ioga. Antes disso, ela trabalhou muito, mas sempre de graça. Aos dezessete realizou o seu desejo de visitar o sistema carcerário por meio de um projeto que levava teatro aos detentos; foi a via que encontrou sendo uma atriz aspirante. Com o tempo, a iniciativa foi se dissolvendo, mas ela seguiu visitando o cárcere, onde finalmente criou o Talentos Aprisionados, um trabalho muito elogiado que visava encontrar artistas escondidos detrás das celas. Foi daí que surgiu o grupo de rap 509-E, de Dexter e Afro-X, e o escritor Luiz Alberto Mendes, finalista do Prêmio Jabuti de Literatura em 2006 e colunista da revista Trip até o seu falecimento, em 2020. "Quando comecei a trabalhar lá dentro, usava um jalecão que funcionava como uma espécie de escudo. Sempre me senti muito segura. Essa era a graça: ser uma mulher ao lado de 7.500 presos, andando sozinha, e com respeito total", conta. 

Com a pandemia pelo novo coronavírus, os esforços de Sophia se voltaram a distribuir cestas básicas em favelas de São Paulo, onde também aos poucos retoma os treinos de ioga que oferece gratuitamente nas lajes. "É incrível o que estamos fazendo para a autoestima dessas mulheres”, conta sobre as participantes. Moradora de uma escola de circo, ela pouco fica em casa. Mesmo para o próximo Natal, já assumiu o compromisso de fazer uma ceia para os dependentes químicos na Cracolândia, outro pilar de suas ações. "Qualquer um pode cair na Cracolândia, ninguém está livre de uma depressão. Se você tem dinheiro, claro, pode evitar a prisão, mas se você se vicia, não há como sair dessa". 

No Trip FM, Sophia conta mais sobre a sua infância e o dia a dia nas cadeias. Ouça o programa no Spotify, no play nesta reportagem ou leia um trecho da entrevista a seguir.

Trip. Seu pai era francês e a sua mãe inglesa. Você é filha de expatriados. Me conta um pouco sobre a sua família.

Sophia Bisilliat. Eles se conheceram aqui no Brasil. Meu pai lutou na guerra e foi preso, condenado à morte: tinha apenas 16 anos. Acabou fugindo, foi para a Argentina e terminou no Brasil. A vida dele foi complicada, amarrada. Minha mãe era filha de diplomata, viveu muito tempo viajando, então nunca teve raiz. Ela era do mundo. Ambos tiveram filhos de casamentos anteriores, mas se apaixonaram porque viviam no mesmo prédio. Minha mãe era uma borboleta, viajava muito. Aí eu nasci e tive uma infância conturbada pois existiam esses filhos que não tinham um destino muito certo. Vieram as consequências para todos nós. Filho você tem para cuidar e não para largar no mundo. Eles deixavam e a gente foi se virando.

É razoável fazer uma ligação de uma infância de pais ausentes e essa sua vontade de dar uma mão para pessoas abandonadas? Eu acho que sim. Quando comecei a trabalhar no Carandiru, eu era muito nova, não ganhava nada e as pessoas ficavam me perguntando o porquê. Até hoje eu não ganho em tudo que faço socialmente, mas é algo muito mais forte do que eu. Não consigo explicar, mas com certeza a minha origem foi desembocar nesse meu trabalho. A fotografia da minha mãe é uma estética muito lapidada, mas vou mais no foco e não vejo muito a estética. Acompanhei ela em duas viagens; aquilo já me marcou muito. E também eu era cuidada por uma pessoa que morava com a gente. Convivi muito mais com a classe social dela do que com a dos meus pais.

A sua biografia é muito atípica. Uma menina de dezessete anos entrar para atuar no Carandiru não acontecia. Como você foi parar dentro dessa cadeia gigantesca? Eu parava na estação Carandiru do metrô e ficava encantada com aquilo e dizia a mim mesmo que iria trabalhar lá dentro. A ferramenta que eu tinha era a minha formação como atriz. Entrei em um grupo que queria dar aulas de atuação no presídio. Isso durou oito meses, mas não quis parar. Continuei sozinha, aí já não era mais teatro, era o Talentos Aprisionados. Andava por lá para descobrir talentos na literatura, na pintura, na música. Queria levar o melhor. Fiz de tudo lá, consegui material para reformar as escolas. Mas era tudo um pretexto para continuar nesse ambiente, onde as pessoas acham que vive a escória da escória, mas que sempre me senti bem e segura. Usava um jalecão que funcionava como uma espécie de escudo. Essa era a graça: ser uma mulher ao lado de 7.500 presos, andando sozinha, e com respeito total.

Créditos

Imagem principal: Divulgação

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