LSD, MDMA e Ayahuasca com ciência podem nos curar?

por Redação

O prof. Eduardo Schenberg responde

A relação pessoal e profunda do neurocientista Eduardo Schenberg, de 43 anos, com a ayahuasca tornou-se um caminho para ele impactar a vida dos outros, ao iniciar uma investigação sobre os benefícios do uso de psicodélicos para tratar a saúde mental das pessoas – além do chá preparado a partir de um cipó, inclua na lista o LSD, MDMA [sigla do composto químico metilenodioximetanfetamina, princípio ativo do ecstasy] e a psilocibina (presente nos cogumelos alucinógenos). Seu ponto de partida foi estudar o efeito da ayahuasca no cérebro de voluntários saudáveis, objeto de estudo do pós-doutorado iniciado em 2011 na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Na sequência, entre 2014 e 2015, partiu para o Imperial College de Londres, onde foi o único brasileiro a participar do primeiro estudo mundial que trouxe imagens da atividade cerebral sob efeito de LSD.

Da Inglaterra, Eduardo trouxe novos conhecimentos e a velha certeza de que fazer ciência no Brasil é lutar diariamente. Essa situação, no entanto, não parou Eduardo em sua busca por entender como as drogas psicodélicas podem agir positivamente na vida das pessoas. Junto com o pós-doutorado na Unifesp, o paulistano havia iniciado as atividades do instituto Plantando Consciência, organização sem fins lucrativos onde desenvolveu suas pesquisas com psicodélicos. Entre os estudos que conduziu, estava o uso de MDMA em voluntários diagnosticados com transtorno do estresse pós-traumático (TSPT) – pessoas que passaram por situações extremas, como sequestro, abuso sexual, tiroteio, assalto, morte repentina de familiares etc.

Ao atravessar os preconceitos e estereótipos associados a drogas normalmente lembradas pelo uso recreativo, Eduardo passa a procurar respostas para perguntas que, no Brasil, não vinham sendo feitas. Dessa forma, se alinha ao que se vê com cada vez mais frequência em grandes centros de pesquisa pelo mundo. O MDMA foi sintetizado em 1970 e, na década seguinte, como princípio ativo do ecstasy, passou a ser usado de modo recreativo, o que resultou na proibição. Nos Estados Unidos, a retomada do trabalho com a droga para fins terapêuticos se deu nos anos 90 e, até 2025, a substância deve entrar para a lista de medicamentos liberados pelo FDA, o órgão responsável por regulamentar remédios e tratamentos nos EUA.

Hoje em dia, Eduardo está a frente do instituto Phaneros, que se prepara para poder começar a tratar até 220 pacientes, aqui no Brasil, entre 2024 e 2025, por meio de psicoterapias assistidas por MDMA e psilocibina, mas que ainda depende de financiamento e acaba de abrir uma campanha de financiamento coletivo por em www.catarse.me/pap2023

Em um papo com o Trip FM, Eduardo conta sobre tudo isso, em um papo muito interessante que fala ainda de ancestralidade, reconexão com a natureza e o estado da saúde mental no Brasil e no mundo. A conversa pode ser escuta na íntegra aqui no site ou no Spotify.

Nós podemos dizer que o mundo moderno é um mundo cada vez mais pobre de saúde mental?

A ciência não tem uma resposta única se a sociedade está enlouquecendo, mas os indicadores são preocupantes. A saúde mental em geral não vai bem nas grande metrópoles. No Brasil, as taxas de depressão, transtorno de estresse pós-traumático, dependência química, síndrome do pânico são altas. Mas nem tudo também se refere a diagnósticos psiquiátricos específicos. As pessoas podem estar descontentes, cansadas e em sofrimento e não necessariamente têm um diagnóstico muito claro. E muitas vezes as pessoas que estão neste sofrimento crônico não encontram solução nos tratamentos atuais. Além disso a gente tem que reconhecer que não se trata só de uma questão de saúde, mas é uma questão social. Pobreza, estimulo ao armamento, aumento da violência. Tudo está relacionado. No Brasil a violência é crescente e muito preocupante.

Trip FM. É real a noção de que a conexão com a natureza, ainda que seja em um parque urbano, faz bem para a saúde mental?

O ambiente urbano é estressante no nível de ruído, de poluição no ar. Ele modifica nosso ritmo, a gente desconecta do nascer e do pôr do sol, desconecta do claro e do escuro. Tudo isso mexe com os hormônios e afeta cada um de nós. Isso gera cansaço. Viver com a violência, trânsito, com muitas pessoas ao redor. Você acaba acostumando com um estado de estresse constante e é só quando você sai por um tempo que percebe em si mesmo como o corpo relaxa, como a cabeça pensa melhor, o ciclo do sono muda. Esse questão de ligação com a natureza é antiga. Existem registros no começo do século XX de pacientes que recebiam a prescrição médica de passar um tempo na natureza. Desde os primeiros trens, médicos começaram a especular que a tecnologia poderia fazer mal às pessoas.

Como eu explico para os meus filhos sobre o ecstasy? 

Dentro de um contexto de guerra às drogas, a abordagem mais inteligente e segura é a chamada redução de danos, diminuir os perigos, saber que substância você vai usar com os kits de teste. Falar que isso é apologia às dorgas é um absurdo. Redução de danos é cinto de segurança no carro. Imagina que o álcool não tivesse nem cheiro ou sabor e você não soubesse se é cachaça ou cerveja. As pessoas não sabem o que estão tomando e isso agrava muito o problema. No caso dos psicodélicos as pessoas precisam saber do momento de vida e o propósito do uso: é simplesmente uma recreação sem reflexão? Ou tem propósito de autoconhecimento? Não é à toa que existem as igrejas da ayahuasca no Brasil. São substâncias que geram uma reflexão muito profunda e precisam ser usadas com sabedoria. O uso recreativo deixa a comunidade científica ressabiada porque existe uma tendência ao uso pouco consciente, com provocações sociais para usar cada vez mais, o que pode desencadear ataques de pânicos e estados de muita ansiedade. No Brasil a gente tem a uma questão interessante que é o universo de certa forma regulamentado do uso religioso da ayauhaska que não é isento de problemas mas que tem se mostrado uma forma sociocultural de se fornecer um contexto seguro para que as pessoas vivenciem essa experiência minimizando riscos.

O uso recreativo deve ser proibido? Ele atrapalha os estudos científicos?

Proibir o uso recreativo? Combater a recreação, a dança, a música, a liberdade cognitiva das pessoas sobre o seus corpos. São princípios éticos que precisamos conversar. Mas, sim, há riscos também. A guerra às dorgas nunca conteve o uso. O aparato policial é absolutamente incapaz de impedir a circulação dessas substâncias que podem ser pingadas em um papelzinho e escondidas na mala das pessoas. Então eu sou bastante favorável a descriminalização e tirar o prioridade do orçamento às políticas bélicas. O que a gente vê é que a guerra às drogas é uma opção pela violência para impedir um certo tipo de uso, o uso recreativo, de substâncias que tem potenciais medicinais, terapêuticos e também, por que não, recreativos. Uma população que faz tanta recreação com álcool precisa se perguntar por que ela faz guerra com opções alternativas ao álcool.

Créditos

Imagem principal: Mario Ladeira

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