Jonathan Azevedo fala de desigualdade, racismo e paternidade
O ator já apanhou muito da polícia e luta para não alimentar o ódio dentro de si: "Sabe por que eu gosto tanto de falar de amor? É que eu já tomei muita porrada"
Ator, cantor e ativista, Jonathan Azevedo cresceu na Cruzada São Sebastião, um conjunto habitacional popular na zona sul do Rio de Janeiro. Se formou no Nós do Morro, projeto de teatro no Vidigal, e batalhou muito até chegar ao horário nobre da maior emissora de TV do país. Tendo atuado em mais de uma dezena de produções no cinema, ele ganhou fama nacional em 2017 com o personagem Sabiá, um traficante da novela "A Força do Querer", da Rede Globo.
Aos 34 anos, Jonathan se divide entre a carreira artística, os cuidados com o filho Matheus Gabriel, de 8 meses, e o trabalho social nas comunidades cariocas, que se intensificou com a pandemia de Covid-19. Em um bate papo com Paulo Lima no Trip FM, o ator reflete sobre a desigualdade e o racismo na Brasil a partir de sua própria trajetória. Ele conta seus esforços para que mais pessoas tenham as oportunidades que ele teve – que começaram, principalmente, a partir de seu interesse pela literatura. "Se a gente tem sabedoria, a gente tem a verdadeira riqueza", diz.
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Trip. Você descobriu que era filho adotivo com 17 anos. Como foi esse momento?
Jonathan Azevedo. Foi uma coisa muito esquisita, porque eu via filmes nos quais a pessoa era adotada, mas eu não pensava que aquilo ali poderia acontecer comigo. Eu olhava para a minha mãe e sempre via ela grávida de mim, tinha esse processo na minha cabeça. Então com 16 pra 17 anos, quando eu fiquei sabendo que eu era filho adotivo, eu não sabia ainda a importância daquele amor e afeto que meu pai e minha mãe estavam me proporcionando. Fiquei uns dois ou três dias pensando em como minha vida era muito louca e, com minha mãe e meu pai conversando comigo, junto com meu irmão, sempre falando com muito carinho de como tudo começou, de como minha mãe me recebeu, eu acabei percebendo que eu fui a pessoa mais feliz do mundo. Daquele dia para frente eu comecei a olhar para meus pais como anjos que vieram nessa Terra, mesmo sem um centavo, sem condição nenhuma, e me deram tudo, tudo, tudo que qualquer adolescente deseja – e muitas das vezes o dinheiro não compra, que é o amor e o afeto. E aquilo mudou totalmente o meu jeito de olhar para a vida, de olhar para o outro, e de olhar para mim mesmo.
As pessoas que pensam a cidade como um todo defendem que as moradias mais populares e mais ricas deveriam estar nos mesmos lugares, e não em bairros distintos. Você cresceu em um dos poucos lugares em que isso acontece de fato, que é a Cruzada São Sebastião, um conjunto habitacional popular projetado no meio do Leblon, o bairro mais caro do Rio de Janeiro. Como foi crescer ali? O maior barato da Cruzada é que ela não foi projetada urbanamente para ser um conjunto habitacional, era um prédio de freiras. E tinha a Favela do Pinto, que ia do Humaitá até a PUC. A minha mãe morava lá e tinham alguns parentes meus que moravam onde hoje é o Clube Paissandu. Veio aquele projeto da ditadura de urbanizar a zona sul e logo tacaram fogo na Favela do Pinto. Quem não conhece pode ter como referência o filme Cidade de Deus, em que eles retratam exatamente essa remoção trágica da Favela do Pinto, onde diversos militares invadiram e tiraram as famílias de lá. Na comunidade tem fotos, relatos de moradores que foram para a Cidade de Deus, Nova Holanda, Vila Kennedy, outras comunidades que, aí sim, foram urbanizadas para os receberem. Olha, já estava tudo pronto antes de atearem fogo, era um projeto mesmo. E eles foram levados para lá de caminhão de lixo. E a Cruzada foi o Padre Dom Hélder Câmara, que chega para a alta sociedade do Leblon e pergunta como é que eles iriam fazer se mandassem toda a mão de obra para tão longe. Naquela época não tinha estrada, não tinha túnel, então eles precisavam que alguém ficasse ali, para que a mão de obra continuasse sem custo de ir e vir. E aí eles começam a habitar esse local das freiras. Minha mãe fala que era uma divisão pelo tamanho de família. Do primeiro ao terceiro bloco são quitinetes, do quarto ao sétimo bloco, quarto, sala, cozinha e banheiro. Minha mãe mora no sétimo. Do oitavo até o décimo, dois quartos, cozinha e um banheiro. E minha mãe conta uma coisa muito engraçada... Que, por exemplo, se a menina de tal família perdia a virgindade, a Igreja tirava essa família de lá. Algumas casas na Cruzada até tem fotos desse padre, são muito gratos a ele, que deu esse acesso para a Cruzada sobreviver no meio do Leblon.
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Você trabalhava num clube ali perto pegando bolinhas na quadra de tênis, foi fazendo amizades e a certa altura acabou até conseguindo uma vaga numa escola particular. Conta essa história, que parece ter sido importante na sua trajetória. Meus primos mais velhos e meu irmão catavam bolinha no Clube Monte Líbano e no AABB, e eu também arrumei uma vaga de boleiro lá. E tinha um menino, o Felipe, que sempre ia sozinho jogar tênis. Às vezes o professor terminava a aula de tênis e ele não tinha muitos amigos para continuar jogando, só que ele tinha que ficar no clube. Até o dia que ficamos eu e Felipe jogando tênis. A mãe dele soube e falou assim: "Jonathan, o Felipe faz judô, se você quiser você pode fazer judô". Eu falei: "Pô, obrigada mesmo, mas eu trabalho aqui para ajudar minha mãe. Quem me dera poder fazer judô". E ela disse: "Se você quiser fazer judô, eu posso ver se consigo pagar e te ajudar um pouco em casa". Eu continuei sendo boleiro na aula desse menino, até que um dia ela chegou com um quimono para mim e falou para eu pegar meus documentos, que para fazer judô na AABB você tinha que ser sócio. Eu era boleiro naquele clube já fazia uns dois, três anos, tinha acesso de entrada e saída 24 horas pelo trabalho. Imagina receber uma carteira de sócio, poder ir na piscina. Se era confuso para eles que eram sócios, que me viam pegando bola e depois fazendo uma aula de natação, imagina para mim que tinha 13 anos. Eu fiz judô, fiz natação, depois futsal, que eu mandava muito bem. Meu pai me acompanhava em tudo do futsal. E eu fui descobrindo que o mundo também não era essas coisas tão horríveis, né? Tinha, sim, as suas mazelas, mas tinha que conhecer as pessoas. Se não você ia viver preconceito por preconceito. E eu conheci o pessoal da Selva de Pedra, que é o prédio onde os militares que tacaram fogo na Favela do Pinto ganharam apartamentos. Foi lá que eu fui me enfiar, e foi onde eu também fiquei sabendo o outro ponto de vista da história da Cruzada.
“Sabe porque eu gosto muito de falar de amor? É que eu tomei muita porrada”
Jonathan Azevedo
Foi na Selva de Pedra que eu vi o quanto os livros eram importantes, porque eu pedia um emprestado para um amigo e, se fosse dele, ele me emprestava. Mas se fosse da mãe ou do pai, ele falava para olhar na casa dele. Se fosse do avô, eu não podia nem encostar. Se eu pedia a moto, o cara me emprestava. O que eu pedia o cara me dava, mas o livro eu não podia levar. Então comecei a ficar mais atento aos livros, a cair dentro dos livros. Onde eu ia eu levava livro. Um amigo meu, o Luiz Amaral, achava que só porque eu andava com livro eu era muito inteligente, e me levou pra conhecer a Escola Paula Barros, onde a maioria da galera estudava. E aí o diretor da época perguntou para mim o que é que eu faria para poder ter uma bolsa na escola, qual seria a minha troca. E eu recitei uma poesia para ele. Ele chamou todos os alunos que eram os meus amigos na escola, umas 18 pessoas, e perguntou: "Vocês querem que esse cara estude aqui?". E todo mundo: "Queremos, o cara é sangue bom". E ali eu consegui essa bolsa. Depois de três meses eu fiquei sabendo que a mãe dos meus amigos começaram a reclamar que a mensalidade aumentou 80 reais e elas queriam saber o porquê. O diretor reuniu todo mundo e disse que cada um tinha botado 80 reais para pagar a minha mensalidade. Foi assim que eu consegui estudar na escola particular. Lá voltei pro início de novo, porque eles achavam minha base muito ruim. E tive um professor de história negão, que contava a história desde a África e me dizia que princesa Isabel não era tão boa assim, porque o momento ajudava mais a ela do que a nós mesmos. Foi desmistificando a história do negro para mim, e eu comecei a me interessar mais, a ler mais. Chegou uma hora que não tinha como as coisas não acontecerem.
Do jeito que você conta a gente quase esquece que tem preconceito, você conta sempre com muita positividade tudo. Só pra fazer teatro eu perdi 3 dentes.
Apanhando? Apanhando da polícia, transeunte assim. No Vidigal, quando você estava no final do processo do espetáculo, você saía 2h da manhã do ensaio. Como eu morava na Cruzada, eu tinha que descer tudo sozinho. Até eu explicar que eu tava vindo do teatro, era um dente. Eu tomei muita porrada. Eu falo para os meus amigos: "Sabe por que eu gosto muito de falar de amor? É que eu tomei muita porrada". Como diz Sabotage, se eu for contar a história triste, ninguém fica.
Essa violência vai construindo uma marra, um ódio em muitos jovens que crescem nas periferias, muitos jovens negros. Por que você acha que não foi consumido por essa raiva? O racismo é estrutural. Ele tem camadas, ele tem pegadinhas, entendeu? E eu inclusive caí nas pegadinhas do sistema quando eu perdi um dente. Se você parar para pensar que você poderia andar pelo Rio de Janeiro todo a qualquer hora que você quisesse e a polícia estaria ali para te defender e, quando eu saio na rua, eu tenho limites, já gera uma revolta, né? Mas tem diversas revoltas que, se a gente não trabalhar com conhecimento, elas vão acabar explodindo em quem de fato, como sempre acontece, não tem nada a ver. Quem sempre tá apanhando é a minoria da maioria. A mulher que morre é negra, o jovem que morre é o jovem negro, o gay que morre é o gay negro. Tá tudo dentro dessas camadas, e tudo fica sobrecarregado em cima dos jovens da periferia. Eu acho que eu carrego comigo esse ódio e rancor. Na verdade, rancor não, porque a gente tenta trabalhar todo dia para tirar isso. Mais essa dor. Ela está junto comigo, porque a qualquer momento o meu telefone pode tocar e a minha sobrinha sofreu algum atentado, meu irmão, alguns amigos meus. Porque estão sofrendo! Quando você tem o direito a conhecer a sua própria história e fazer a sua própria escolha, você começa a trabalhar não só igualdade, mas a dignidade, que são coisas que não se falam para o negro no Brasil. Não se fala. Meritocracia para preto é "morreu porque mereceu", como diz o Djonga. Eu ouço: "Você chegou lá, mas porra negão, tá de brincadeira né, fazendo o bandido". A coisa mais difícil pra mim é fazer um bandido. É muito difícil porque o que eu mais quero tirar de mim é o meu ódio. Eu sou julgado por uma coisa que de fato não me compete, mas que eu exerço como a minha função. Se eu sou julgado em um personagem, imagina como pessoa. E é esse o lugar que o jovem brasileiro carrega. Hoje eu ando na rua de máscara e as madames de Ipanema, Leblon, atravessam a rua. Então como é que eu vou pensar em sucesso?
Certamente um divisor de águas na sua vida foi a entrada nas artes cênicas. Como é que aconteceu? Eu comecei a fazer teatro porque eu queria ter acesso à literatura. Eu fui lá na Escola de Espetáculo, do Gringo Cardia, querendo saber se tinha biblioteca. Para ter acesso à biblioteca eu tinha que fazer alguma aula, e aí eu escolhi teatro. Quando eu cheguei na sala de aula o professor me falou que eu era muito bom, que se eu não quisesse passar fome era para eu não sair do palco. Eu pensei: "Caramba, tá aí uma coisa maneira. Acabei de descobrir que sou adotivo e acabei de descobrir que tenho um talento no teatro. A vida está começando a me indicar uma coisa bacana". A primeira vez que a minha mãe foi me ver no teatro eu fazia Jesus preto do Auto da Compadecida. Como ela é uma mulher de fé, ela me viu no teatro de Jesus e falou: "É aí que meu filho vai morar". Logo meu professor falou para eu ir para o Nós do Morro. Fui fazer o teste e conheci essa pessoa maravilhosa chamada Guti Fraga. Então quando você me pergunta o que me faz não vestir a capa do ódio, tem muito a ver com ele, com a escola Nós do Morro.
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O Nós do Morro ficou muito conhecido quando preparou a galera que formou o elenco de Cidade de Deus, a molecada da favela que foi preparada para o filme. E o filme estourou mundialmente, mas volta e meia passa uma matéria falando que algum daqueles atores tá na roubada, tá sem grana. Um ou outro conseguiu fazer uma carreira. Como você vê isso hoje? O cara que começa uma carreira sendo negro e pobre consegue trilhar um caminho mais sólido ou corre o mesmo o risco? A questão financeira e econômica do Brasil nunca foi voltada para o povo negro. Ela só é voltada para o povo negro quando se fala de mão de obra. O maior defeito do Brasil é a escravidão. É uma herança que se perpetua e, como diz Laurentino Gomes, "tem que se fazer a segunda abolição nesse país". Quando a gente fala de mudança, a gente tem que abrir mão de certas coisas, a gente tem que começar a abrir mão de privilégios. Eu queria que dentro desse país, antes de a gente pensar na economia, a gente pensasse numa economia geral igualitária. Esses dias eu estava conversando com uma amiga minha e ela me contando como é na casa dela dentro da quarentena. E eu estou fazendo uma personagem no meu Instagram, que é a Kraudinha, a doméstica, que são relatos na comunidade das senhoras que trabalham na casa de pessoas bem sucedidas e que não abrem mão que elas estejam lá trabalhando. Aí eu perguntei quantos quartos tinha na casa da mãe da minha amiga. Ela me falou: "Eu acho que tem uns 6". A casa é tão grande que ela não sabe nem quantos quartos tem. "Pergunta pra sua mãe se ela limparia aquela casa toda por um salário mínimo". E ela: "Nem morta". Imagina se tivesse que limpar a casa, fazer café da manhã, almoço, jantar, passear com o cachorro com o risco do teu filho morrer, e ainda escutar desaforo. Você trabalharia por isso? Impossível.
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Como é a sua ligação com o surf? Na minha comunidade, como era próxima da praia, já tinham uns caras que surfavam. Mas o foda é que ninguém tinha a prancha, e os que tinham cuidavam como se fosse a coisa mais preciosa da vida. Naquela época não era qualquer um que aparecia com uma RM [marca de pranchas Ricardo Martins], tá ligado? Era outro patamar. Uma Quicksilver até na bermuda era difícil ter. Eu ia para a praia no Posto 11 porque os moleques emprestavam a prancha para a gente, esses meninos que eu já conhecia do clube. Ali que eu conheci o rapaz que me levou para estudar, o Luiz Amaral. Foi dali que eu viajei pela primeira vez na minha vida e senti o quanto era importante você viajar, a cultura de conhecer outro lugar, de chegar para outras pessoas e falar que você foi num lugar diferente. Foi a primeira vez que eu fui para o sul do Brasil, que saí do meu estado e fui para a Praia do Rosa, para a Guarda do Embaú. E aí eu pude ter a dimensão do quão bom era ir para a Bahia, que era o lugar que minha história começava e também tinha onda. Eu comecei a expandir o Brasil pelo surf. E eu surfava bem, meu surfe era pra frente. A melhor sensação da minha vida, depois de ter um filho, é tirar um tubo. Se eu pudesse falar para alguém: "Brother, tá difícil para você esse momento? Tira um tubo". Isso foi uma das maiores experiências que eu vou levar da minha vida, aquele momento que você está ali dentro do seu salãozinho. Você sabe que você aprendeu a pegar o pé, a tirar um tubo maneiro. Às vezes uma onda muda teu o dia todo.
Você teve o filho com uma amiga sua que não era exatamente namorada, não tinha um relacionamento romântico. Uma amiga com quem você saía de vez em quando e de repente ela engravidou. Já imagino que não seja fácil ter um filho com alguém que você não mora junto e não está namorando. E aí vem a pandemia. Como é que está sendo essa administração? Eu hoje estou aqui conversando contigo e eu saio daqui pra ir lá ficar com ele. E aí fico a noite com ele, para que a mãe dele também possa fazer as coisas dela. É esse novo lugar, não só dessa relação, mas onde o homem está mais presente dentro do desenvolvimento da criança para que a mulher também possa ter o tempo dela. A gente está só dando dicas do que vai ser o futuro, entendeu? Em tudo o que está acontecendo hoje está faltando empatia. Quando eu olho para a minha relação com a Patrícia, a gente pensa muito, pelo menos eu penso, na empatia que a gente tem que ter. Eu com a questão dela ser mãe solteira no meio desse universo preconceituoso. Então o que é que eu posso fazer para melhorar as condições dela? As condições do meu filho? Eu trabalho sempre em cima dessa realidade, porque senão eu acho que a gente pira o cabeção. A gente vê tanta loucura, se a gente não souber equilibrar fica difícil. Não só para ela como pra mim também.
Me conta um pouco esse seu lado de ativista social. Eu sei que você fez uma biblioteca e que agora fez movimentos para doar cestas básicas. O que é exatamente que você agitou? Esse trabalho do Vidiga na Social e do Cruzada Social se inicia também quando eu venho para o Vidigal. Eu que já sou fruto de vários projetos, como a Escola de Espetáculo, o Nós do Morro e outros projetos na Cruzada São Sebastião. Até no próprio Basquete Cruzada eu cheguei a jogar. Quando eu trânsito para esse universo da literatura e começo a entender que, se a gente tem sabedoria, a gente tem a verdadeira riqueza, eu começo a pensar: é por isso que na escola neguinho não ensina tão bem. Porque se a gente manter o mesmo intelecto, vai ficar difícil. Se todo mundo começar a questionar, todo mundo começar a perguntar, vai ficar muito difícil isso. E o que é que me libertou? A literatura. A literatura desliga a chavinha do que o mundo tinha para me proporcionar, eu com 16, 17 anos numa comunidade. O mundo aqui tem a oferecer coisas não muito boas, e o nosso país não ajuda em nenhuma das possibilidades para que elas possam melhorar. Então quando você tem um jovem negro aí que venceu em qualquer modalidade de esporte ou na vida, sempre tem que ter perseverança. Nunca é uma história gradual, de uma vida normal. Tem que ter perseverança, tem que ter luta, sim. Mas tem que ter naturalidade para a criança ser criança, ser adolescente, ter um processo vital de amadurecimento não só mental, mas físico, corporal, coisas que muitos aqui não têm. Eu comecei a abrir o olho para isso com a Roberta Rodrigues, que já fazia isso no Vidigal, com o Vidiga na Social, de usar a arte dela em prol das crianças da comunidade. O meu divisor de águas foi a literatura, então eu tento levar para a Cruzada, junto com o Vagner, que faz o projeto do basquete, a literatura e a conscientização de que um povo sem história é um povo sem fermento, não tem para onde crescer. É o maior barato eu hoje poder contar para você a história da minha comunidade. Eu me sinto feliz com isso. Sempre penso nessa possibilidade de enriquecer, de possibilidades e sabedoria, mais comunidades.
Créditos
Imagem principal: Pedro Dimitrow