Na versão brasileira da guerra às drogas, xadrez é tendência. E são principalmente as mulheres que estão pagando por isso
A cada ano, mais de 1,3 milhão de pessoas vão parar atrás das grades na Califórnia. E ainda pagam por isso.
O tíquete custa US$ 30. Dá direito a entrar e, principalmente, a sair de Alcatraz. O mesmo estado que viu nascer a primeira Disneylândia, em 1955, foi capaz de transformar num parque temático, em 1973, a precursora das prisões de segurança máxima.
Comparada às penitenciárias brasileiras, a cela que Al Capone chamou de sua parece o Clube do Mickey. Com pouco mais de 4 metros quadrados, abrigava apenas ele, uma cama com colchão, travesseiro, lençol e cobertor, privada, pia, mesa, cadeira e duas prateleiras. O mínimo, mas decente.
De lá para cá, o sistema prisional do estado mais rico dos EUA entrou em pane. O espírito de tolerância zero e a guerra às drogas fizeram o número de detentos crescer 600% em 30 anos.
No final do ano passado, a população reagiu. Em vez de babar de raiva pedindo Rota na rua e cadeia para adolescentes de 16 anos, aprovou por votação direta a Proposta 47 – que deixa de condenar à prisão quem comete alguns crimes não violentos, como porte de drogas.
A primeira consequência disso foi colocar em liberdade quase 3 mil presos. Outros 7 mil devem em breve voltar a ver o sol nascer redondo. Qual a lógica de soltar condenados para melhorar a segurança pública?
Simples. Em vez de gastar o equivalente a R$ 200 mil por ano para manter alguém trancafiado desnecessariamente, o Estado vai investir esse dinheiro em educação de crianças e adolescentes e na reintegração de ex-detentos – quebrando o ciclo em que o ex-preso não consegue emprego por ser ex-preso, e acaba afundando novamente na ilegalidade até ser preso novamente.
A estimativa é que algo entre R$ 300 milhões e R$ 600 milhões por ano deixem de ser desperdiçados com prisões inúteis. Essa dinheirama vai ser aplicada naquilo que, afinal de contas, deixa a comunidade menos violenta e mais segura.
Em vez de tratar o sintoma e esquecer da doença, a Califórnia quer combater a doença.
Enquanto isso, no Brasil o número de detenções aumenta – especialmente entre mulheres. Como mostra a reportagem "Presa fácil", de 2003 a 2014 a população carcerária feminina cresceu estrambólicos 279%.
A maioria das condenações está relacionada a drogas. Como ninguém jamais ouviu falar de Fernandinha Beira-Mar nem de Dona Marcola, fica claro que lugar de mulher no tráfico é em meio à arraia-miúda.
Na versão brasileira da guerra às drogas, xadrez é tendência. E são principalmente as mulheres que estão pagando por isso.