Adriana Melo, a brasileira que ousou ”fazer” o Homem-Aranha no masculino universo das HQs
Adriana Melo é uma super-mulher. Uma verdadeira Ms.Marvel – personagem espetacular que ilustra para um dos estúdios de história em quadrinhos mais prestigiados do mundo. Com apenas 32 anos, a paulistana, que começou a desenhar profissionalmente aos 18, já passou pelas quatro grandes companhias do ramo, carregando um currículo de dar inveja a qualquer um nesse universo de histórico majoritariamente masculino. Por isso, não é raro ela ouvir coisas do tipo: “Você não desenha como uma mulher”. Ou, de um fã em um fórum especializado: “Na verdade, não existe Adriana Melo. É um cara que assina como mulher para chamar atenção”. E mais: “Mulher não desenha outra mulher bonita”. Este último comentário, aliás, uma denúncia cabal, embora questionável, do caráter invejoso da personalidade feminina.
Às vezes com os nervos à flor da pele diante de tais absurdos que deixam evidente o preconceito contra mulheres que se inserem em mercados do tipo e, mais do que isso, se destacam, Adriana não tem nada a dizer, só a traçar. E seu lápis faz mágica.
“Com 16 anos” – ela diz – “depois de assistir a uma palestra com um desenhista brasileiro que trabalhava em editoras internacionais, soube imediatamente o que queria fazer para toda vida”. Isso porque, já aos 21, a moça se casou e teve uma filha, a Letícia (hoje com 10), tendo se dedicado à maternidade por quatro longos anos de sua vida e relegado os rabiscos para um segundo e inevitável plano.
As quatro grandes
Sim, Adriana pode se dar ao luxo de dizer que passou pelas maiores editoras de HQ. Na Dark Horse Comics ela ilustrou a celebrada série Star Wars. Na Top Cow obteve o título de primeira desenhista a trabalhar com uma personagem de alto escalão – a escultural Witchblade, que traçou por dois anos. Na DC Comics, a editora da famosa “Liga da Justiça da América”, teve o privilégio de desenhar várias capas, além de, dentre outras coisas, ilustrar um número inteirinho do lendário personagem Lanterna Verde. Na arqui-rival da DC, a poderosa Marvel, onde está desde 2007, Adriana ganhou outros títulos: foi a primeira mulher a desenhar O Justiceiro e, mais do que isso, a primeira mulher, mundialmente falando, é bom frisar, a desenhar o Homem-Aranha. Ou seja, o traço da moça está impresso na mente de todos aqueles que se deleitam com histórias de super-heróis ao redor do mundo. Ponto pra ela.
Beleza objetiva
Foi na Marvel também que Adriana começou a delinear mais pormenorizadamente o caminho que de fato gostaria de trilhar nos quadrinhos: o desenho de mulheres. “Ms. Marvel foi um presente para mim, pois foi o estilo de super-herói com que sempre quis trabalhar” – acrescenta ela, devidamente munida de seu “lado mulherzinha”, já que não gosta de violência e privilegia a essência do super-herói: fazer o bem.
Quanto à acusação de que ela, como desenhista de mulheres, estaria incentivando a imagem da mulher como objeto, e dando, de quebra, bojudo material para os homens menosprezarem o gênero feminino, ela se defende, furiosa: “Pelo contrário, eu sempre tento fugir de decotes e roupas coladas. Mesmo por que, além de ficar vulgar, não há essa necessidade”. Os experts no assunto concordam: alegam que a moça desenha personagens que são sempre bonitas, mas sem apelação.
Adriana é um estudante incansável de parte importante de seu ofício: a anatomia humana. E destaca um aspecto interessante no trabalho: “Minha intenção é aperfeiçoar o traço e ilustrar uma mulher que seja cada vez mais feminina. Nesse sentido, não posso definir muito a musculatura, o que é necessário fazer com os personagens masculinos”. De qualquer forma, todos os personagens devem parecer bonitos, atraentes, saudáveis, independentemente do gênero ou da idade, “senão o editor manda voltar” – revela. Fazer o quê? O mundo dos quadrinhos da Marvel não é muito diferente de Hollywood ou das novelas da Rede Globo.
Ela confessa, no entanto, que é bem mais fácil desenhar mulheres do que homens: “A beleza da mulher é mais objetiva. Há um padrão. A do homem é totalmente subjetiva, difícil de desenhar.” Talvez por que, para os homens, a beleza da mulher esteja na aparência, sendo meramente objetiva. Enquanto, para a mulher, a beleza do homem reside em muitos outros aspectos que não só a aparência estética. Viu? Na verdade, Adriana pode nos ajudar a ver a problemática sob uma nova perspectiva. Outro ponto pra ela.
Mulheres X homens
O percentual de mulheres desenhistas nos grandes estúdios de HQ já foi irrisório. De uns dez anos para cá, entretanto, por causa de mulheres como Adriana ou a norte-americana Amanda Conner, que desbravaram um campo ainda considerado como “clube do Bolinha”, elas já correspondem de 5% a 10% do time - e esse número tende a crescer. Outra desenhista brasileira, a paraense Julia Bax, ilustra vários títulos nacionais e também já se aventura por editoras de ponta lá fora, como a Marvel.
Segundo André Morelli, jornalista especializado, a norte-americana Ramona Fradon já prenunciava o gosto das meninas por super-heróis ao ficar famosa desenhando o personagem Aquaman nos anos 50. Ele ressalta, entretanto, uma tendência: “Diria que existem mais mulheres escrevendo do que desenhando, além de muitas mulheres em cargos de chefia, muitas editoras, o que chega a ser quase contraditório. Um exemplo é a Karen Berger, a editora-chefe da Vertigo, o selo de histórias adultas da DC”.
A explosão dos mangás japoneses também veio revelar uma nova geração de mulheres desenhistas. “Nessa onda, eu destaco outra brasileira, a Érica Awano, que foi a desenhista do Holly Avenger, uma revista que fez muito sucesso no Brasil”, complementa Morelli.
Marcelo Campos, ex-desenhista de grandes companhias e hoje diretor da Quanta Academia de Artes, observa que, em sua escola, as mulheres procuram os cursos voltados para a ilustração de literatura infantil, enquanto os homens se dividem entre animação, ilustração editorial e história em quadrinhos. Ele elogia o trabalho de Adriana Melo, destacando seu alto nível técnico, um aspecto muito requerido pelo universo dos super-heróis: “Ela está completamente adaptada. Trata-se um trabalho direcionado à indústria que exige bastante conhecimento da parte técnica e, nesse sentido, ela desenha com maestria”, conclui.