Um brinde à objetividade!

por Redação
Tpm #63

Graças a ela, realizamos nossas funções com tamanha embriagez e vivemos em absoluto automatismo

 por: Patrícia Varella

É bom diminuir o ritmo, parar um pouco, cessar o movimento frenético, deixar de contribuir com o estresse que abala todos nós. Somos vítimas – ou voluntários – desse ritmo avassalador da vida moderna que zela pela máquina, pelo intelectual, pela racionalidade. Ritmo este que desencoraja os emotivos, erroneamente considerando que sejam fracos. Um brinde à objetividade! E ao intelecto sobreposto às emoções!

Eventualmente ficamos frustrados por inutilmente tentar sucumbir à inconstância dos acontecimentos que, devidamente acumulados, somam os anos que ficamos neste corpo. Em dado momento olhamos para trás e, há anos de nós, está quem poderíamos ter sido, alguém que deixamos ao relento para perseguir metas que jamais foram condizentes aos nossos verdadeiros talentos. É impossível parar o curso natural da vida, mas geralmente é possível realizar nossas funções com tanta embriaguez que nos mantemos em absoluto automatismo. Olhamos cada porção vivida como uma foto em vez de um filme, desconexa do próximo instante e totalmente paralisada.

Nossos maçantes compromissos, que somente comprometem o pulsar da vida, precisam ser reavaliados. Em vez disso, porém, nossas assustadoras agendas abatem nossa espontaneidade – agora ocasionalmente demonstrada em momentos efêmeros de euforia. Então, somente anestesiados, conseguimos fazer possível a vida.


A dança da vida – e de Shiva

Vida esta que se manifesta sob o pulso inaudível de vitalidade que marca o passo de ocorrências raramente sincronizadas com nossa consciência. Ela, a vida, constantemente cria, transforma e destrói tudo que conhecemos. “Tandava”, diriam os hindus – ou a dança de Shiva.

Majestoso, Shiva, manifesto como Nataraja, com quatro braços e duas pernas, redimensiona o universo. Na sua mão esquerda superior, uma chama simboliza a destruição. Na oposta direita, um tambor representa a criação. Na outra mão direita, um gesto de proteção contra a ignorância, causa dos nossos enganos e falências. Finalmente na perna esquerda, a tromba de Ganesha, divindade que remove os obstáculos. A perna direita sobre a cabeça de um homem adulto com corpo de criança representa a conquista da imaturidade emocional. E a dança cósmica da origem e dissolução de todos os mundos não faz com que o semblante do Nataraja reflita algo além de centramento. Com a aparência tranqüila, ele dança no centro do fogo, acompanhando sem dramatização os inevitáveis começos e finais de toda a existência manifesta.

Com tudo isso, fica a pergunta: “Nossa existência retrata o delírio de um ritmo impróprio ou nossa incapacidade em perceber uma pulsação já existente?”. Quando notada, essa pulsação nos conecta à dança do tal deus hindu. O pulso do universo urge ser vivido e não nega esforços para ser percebido. E com tanta evidência, e mesmo assim tão pouca atenção, nos deixamos levar pelos acontecimentos impedindo a magnitude desse baile cósmico. Falhamos ao almejar marcar o passo no ritmo da vida. Nos iludimos pensando que o caos criado, decorrente da resistência ao pulso vital, é o que ameaça nossa sanidade mental. Eventualmente constatamos que nossas escolhas estão limitadas a uma figurada coreografia, mas jamais ao cessar do movimento. E que o universo vai girar independentemente da nossa vontade. Então, o que temos de entender é que esse “controle” não nos cabe, afinal, somos modestos coadjuvantes deste número ímpar que é a vida.

 

 
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