Tornando-se brasileira

por Pedro Carvalho

A surfista Tatiana Weston-Webb, que competia pelo Havaí, passa a representar o Brasil. E ela é um reforço peso-pesado para o país, além de uma possibilidade de um título inédito nos próximos anos

Nas areias de Saquarema, durante a última etapa do circuito mundial de surf neste mês, Tatiana Weston-Webb retomava suas raízes brasileiras.

Em abril, a surfista decidiu passar a competir na WSL (a World Surf League) pelo Brasil. Nascida em Porto Alegre, filha de uma brasileira e de um inglês (ambos surfistas), ela mora no Havaí desde os dois meses de idade e sempre defendeu a bandeira do arquipélago americano no tour. O motivo para a troca não era segredo: Tatiana almeja uma vaga brasileira em Tóquio 2020, na estreia do surf em jogos olímpicos. E Saquarema foi seu primeiro campeonato vestindo a camisa canarinho.

Ela sabia que a decisão era um pouco controversa. O Comitê Olímpico Internacional não anunciou quantas vagas cabem a cada país, mas ao todo serão apenas 20 mulheres. Tatiana avaliou que suas chances de participar são maiores por aqui – e, tecnicamente, ela sai mesmo na frente nessa corrida. Nos bastidores da competição de Saquarema, o comentário era que algumas surfistas brasileiras, também de olho em Tóquio, não gostaram da novidade. “Acho que realmente é difícil pra todo mundo ama meu decisão, sabe?”, ela diz, em português ainda enrolado. “Por isso nem estava botando muita expectativa [na reação da torcida brasileira em Saquarema].”

Acontece que é difícil não gostar de Tatiana quando ela entra na água para competir. Determinada e corajosa, a gaúcha busca sempre as maiores ondas e as manobras mais arriscadas. Tem alma de competidora, disputa cada bateria para ganhar. A cada onda completada, a cada duelo vencido em Saquarema, mais alto eram os aplausos na areia. O carinho pela “nova brasileira” do tour crescia dia após dia na competição. “Todo mundo no Brasil gosta que seu time vai indo bem, né?”, ela diz. Quando eliminou Silvana Lima (única brasileira na WSL até abril) nas quartas-de-final, Tatiana saiu da água aplaudida e sob gritos de “Brasil!”. O mesmo aconteceu na semifinal, quando ela acabou derrotada pela americana Lakey Peterson.

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A impressão era que ter nascido aqui ou lá pouco importava: a torcida gostava, mesmo, era de assistir a uma atleta que competia com garra e que assim vencia. E carregava as cores do Brasil, o que galvanizava o vínculo emocional na multidão. Tatiana, em Saquarema, não virava brasileira pela certidão de nascimento: tornava-se uma, onda após onda. E, por sinal, ela é um reforço peso pesado para o país, uma possibilidade de um título inédito nos próximos anos.

Dobradinha brasileira
Tatiana está em terceiro lugar no ranking feminino de 2018, atrás apenas das atletas que disputaram a final no Brasil – Peterson e a australiana Stephanie Gilmore. Nas três etapas completadas deste ano, ela beliscou um vice-campeonato e um terceiro lugar – e em Bells Beach (Austrália), evento interrompido pela presença de tubarões na praia, iria disputar as quartas-de-final. Aos 22 anos, parece estar em seu melhor início de temporada.

A parceria entre Tatiana e seu treinador Leandro Dora – que também é técnico de Mineirinho e pai e técnico de Yago Dora – começou em 2016, mas desde o ano passado se tornou mais intensa. Em uma conversa com Dora, há um ano, comentei: “Agora que você conquistou o mundial com o Mineiro, vai focar seu trabalho no Yago [que surgia como uma das principais promessas brasileiras], né?”. Não, ele não iria, por dois motivos: achava que seria saudável guardar uma distância do filho, para não ficar muito “paizão incentivador”; e queria direcionar sua energia para Tatiana. Dora acreditava que ela poderia se tornar campeã do mundo em breve.

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Em 2018, pela primeira vez, o treinador estará ao lado dela em todas as etapas do circuito, para juntos tentarem repetir o feito alcançado com Mineirinho em 2015. “Estamos tentando melhorar o lado competitivo e a parte técnica dela: estilo, acabamento das manobras”, conta Dora. “Acho que o trabalho está indo muito bem”.

De lá para cá, sua missão tem sido polir o estilo da surfista, uma vez que força e resistência para ondas grandes ela tem de sobra. “A gente trabalha pra melhorar os detalhes do meu surfe, que faz a diferença nos olhos dos juízes”, ela diz. “A Tatiana é muito determinada, muito concentrada e muito profissional. E muito competitiva”, conta o treinador. “Às vezes é até engraçado, a gente está fazendo um treino físico junto com os garotos, rolam uns desafios, e ela leva a sério”, ele ri. “Está sempre querendo vencer”.

Anitta e pastel
Em sua caminhada no tour, Tatiana tem outro suporte brasileiro: o namorado Jessé Mendes, que neste ano também passou a competir pela WSL. Jessé mora no Guarujá e são as etapas do mundial que acabam unindo o casal. “A gente sempre viaja junto, nunca volta pra casa mais que duas semanas no ano”, ela conta. O namoro representa, também, a possibilidade de Tatiana completar sua metamorfose verde-amarela e morar no Brasil. “Se eu e o Jessé casar e ter filhos, a gente estava falando que vai ser muito importante eles falar português e crescer com essa cultura daqui, também. Então ia ser talvez seis meses aqui, seis meses no Havaí”, imagina a surfista. “Mas a gente só conversou bem rapidinho”, ri. “A gente nem tá pensando nesse timing, tá muito novo e acho que não tem que pensar nisso agora.”

Sua relação com o Brasil vai bem além do namorado e da certidão de nascimento: “Amo ouvir Anitta, Ludmilla... Gosto de pagode e samba também”. “Eu tem muitas memórias boas aqui, especialmente em Garopaba, surfando muito nova, passando tempo com a minha família lá, réveillon...”, conta ela que também é fã de coxinha e pastel.  

Disputando com eles
Não é apenas Tatiana que tem evoluído na técnica: o surf feminino, como um todo, mostrou um avanço evidente nos últimos anos. Apesar disso, as surfistas nem sempre têm a mesma visibilidade dos homens na WSL. Em Saquarema, como em quase todas as etapas, os melhores dias de onda foram reservados às baterias masculinas. “Algumas condições [de ondas] muito grandes ainda são difíceis para as mulheres”, justifica Sophie Goldschmidt, a CEO da WSL. Mas o assunto é delicado.

“Ah, isso foi uma coisa que as mulheres não ficaram muito animadas... Acho que até hoje tem essa de ‘ah, o mar não está tão bom, então joga as meninas na água”, diz Tatiana – que, entre as competidoras, é sempre aquela que pressiona para que elas disputem nos dias grandes. “Acho que a gente surfa muito bem em qualquer condição, a gente já surfou em condição melhor que os homens e arrebentou também”, diz Tatiana. “Acho que é nessas ondas boas que a gente tem que prove ourselves”.

Esse tipo de desigualdade, infelizmente, não é uma novidade para Tatiana. Quem surfa, sabe: dentro da água, na disputa pelas ondas, os garotos nem sempre tratam as garotas com respeito – e acabam usando a força física para remar mais rápido e pegar mais ondas. “Eu sempre passo por isso”, ela conta. “Às vezes eu entra na água e tem alguns homens me olhando, quase como ‘o que essa mulher tá achando?’”, diz. “E eu rio muito pra mim... Porque acho que muitas vezes surfo até melhor do que eles, e eu briga [pelas ondas] muito mais do que eles, também. Então, desculpa, mas vou ter que brigar pela minha onda e vou continuar brigando, porque esse é meu profissão”.

Essa é Tatiana. As declarações traduzem bem sua personalidade. É uma garota que quer conquistar seu espaço e parece não ter medo – seja de decisões controversas, de ondas grandes, de adversárias difíceis ou de garotos folgados. “Sempre vai ter desrespectful people...”, ela balança a cabeça, meio resignada. Para, em seguida, voltar a exibir o olhar de quem não vai parar enquanto não atingir seus objetivos – ou de quem é brasileira e não vai desistir nunca de chegar ao topo do mundo. “Eles vai ver”, ela fala. “Vou continuar sempre melhorando meu surf. E eles... For me, it’s like karma, you know? What goes around comes around [para mim é como carma, o que vai, volta]”.

 

Créditos

Imagem principal: © Mark McInnis/Divulgação

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