Filme é exibido em Cannes com direito a protestos contra impeachment e aplausos de quase dez minutos
Poucas vezes a trama de um filme dialogou tão bem com o momento atual do Brasil como a sessão do longa Aquarius na mostra competitiva do Festival de Cannes 2016. O longa dirigido pelo pernambucano Kleber Mendonça Filho, produzido pela francesa Emilie Lesclaux e estrelado por Sônia Braga, emocionou e sacudiu a Croisette na tarde desta terça-feira.
Tudo porque a trama trata com maestria a questão da especulação imobiliária e voracidade capitalista das grandes cidades brasileiras e a clássica entrada pelo tapete vermelho contou com um protesto discreto, mas suficientemente barulhento. O diretor e sua equipe empunharam cartazes com dizeres como: “Houve um Golpe no Brasil”, “O Brasil não é mais uma democracia” e “Nós vamos resistir”, entre outros. Com os cartazes já na sala de exibição, eles foram extensamente aplaudidos pela plateia que lotava a Lumière do Palais.
Foi o bastante para que a mídia internacional, que já havia elogiado o longa após as sessões de imprensa de manhã, passasse a falar da questão política brasileira com mais afinco. O protesto está, entre outros, na capa do jornal inglês “Guardian”. “É importante se manifestar. A gente precisa poder conversar com os amigos. E cada um ter um pensamento diferente, ideias diferentes. Isso é uma democracia. Daqui a dois anos vamos votar para presidente e precisamos ter um candidato. Só nestas conversas é que vamos indicar alguém”, comentou Sônia Braga à Tpm.
Aos 65 anos, a atriz vive Clara, uma jornalista veterana, respeitada por suas reportagens sobre música e seus livros, que vê sua paz acabar quando o pequeno prédio em que mora em Boa Viagem, no Recife, é praticamente todo comprado por uma construtora que pretende erguer ali um altíssimo condomínio moderno. Mas Clara não pretende se mudar e não quer nem ao menos ouvir o que lhe propõem. É então que seu pequeno-grande inferno pessoal começa. Ela passa a viver sob pressão da construtora, dos filhos e da família para que venda e saia do local.
A performance de Sônia é de fato memorável. A atriz foi aplaudidíssima ao final da sessão e já vem sendo apontada como séria candidata à Palma de Ouro. “Fico muito feliz com este personagem. A Clara tem muito de mim. Assim como eu, ela teve de bater o pé e resistir para ser quem ela quis ser”, comentou a atriz, que com Aquarius vai pela quinta vez a Cannes.
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“De fato a Clara emprestou muito da personalidade e do caráter da Sônia, que foi uma imensa alegria para nós. E Sônia também tem coisas da Clara. Elas não são a mesma pessoa, mas ambas são grandes mulheres”, declarou o diretor que, após o bem-sucedido O Som ao redor – que levou prêmios em dezenas de festivais pelo mundo –, surge com Aquarius em sua melhor forma. A narrativa do novo longa consegue ser densa e ao mesmo tempo leve, levantando questões de diversas cidades brasileiras que sofrem a violência diária de ver seus prédios – e história – serem demolidos em função de um mercado imobiliário voraz e “sem educação”, como diz Clara em uma das melhores cenas do filme.
“Hoje foi um dia incrível. Para começar, abri a cortina de manhã e estava um dia lindo de sol. Todo o processo, me aprontar, chegar ao tapete vermelho e ver o filme pela primeira vez foi especial. Eu ainda não tinha assistido, não sabia como o filme terminava! É sem dúvida um dos filmes mais bonitos que já fiz”, revelou a atriz à Tpm. “Para finalizar, começaram as palmas dos franceses, do pessoal internacional... Ainda estou vivendo esta emoção. Estou muito feliz”, completou Sônia.
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