Aborto: muita contradição, pouca evolução

por Redação

A socióloga Jacqueline Pitanguy nos ajuda a compreender o que pensam os brasileiros sobre a interrupção da gravidez

Falta de informação e preconceito ainda marcam o debate em torno da legalização do aborto no Brasil. Na última segunda-feira (4/12), o Instituto Locomotiva e a Agência Patrícia Galvão divulgaram uma pesquisa inédita a respeito da opinião dos brasileiros sobre o tema. Entre homens e mulheres, 1.600 pessoas de 12 regiões metropolitanas do país foram questionadas sobre seus pensamentos sobre aborto.

Os resultados são um tanto contraditórios. Segundo a pesquisa, 50% dos brasileiros acreditam que uma mulher que interrompe intencionalmente a gravidez deve ser presa. O mesmo texto diz também que 81% dos consultados concordam com o aborto em pelo menos uma das seguintes situações: em caso de uma gravidez não planejada; falta de condições para criar; no caso de meninas com até 14 anos; se o feto for diagnosticado com alguma doença grave ou incurável; se a mulher correr risco de vida ou caso ela tenha ficado grávida após ser vítima de um estupro.

Enquanto isso, projetos como a PEC 181 tramitam na Câmara dos Deputados e ameaçam os poucos direitos já garantidos a quem precisa interromper a gravidez. Na tentativa de clarear os dados da pesquisa e aprofundar o debate, a Tpm conversou com a socióloga Jacqueline Pitanguy, que há mais de 40 anos luta pelos interesses femininos e feministas e foi uma das responsáveis pelas conquistas das mulheres na Constituição de 1988, que abriu caminho para avanços como a Lei Maria da Penha. Se liga:  

Tpm. O que essa pesquisa mostra, em sua avaliação?

Jacqueline Pitanguy. Ela é um pouco confusa. Sou socióloga e já trabalhei bastante com pesquisa, tenho um olhar metodológico. Os dados são contraditórios entre si, também porque é contraditória a relação das pessoas com aborto. Exatamente por esse motivo é importante que as perguntas sejam muito claras, esse pode ter sido o problema. O dado que diz que 81% acreditam que em algumas situações as mulheres devem poder abortar indica que a maioria da população é contra a criminalização do aborto em todos os casos.

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Como avalia esse tipo de pesquisa e seus resultados no atual contexto político do país? Vários fatores influenciam uma pesquisa. As pessoas absorvem o ambiente em que vivem e estamos hoje vendo um Brasil muito intolerante e conservador. Em tempos em que teorias religiosas que demonizam a prática do aborto ganham força, é preciso ter um cuidado especial com a metodologia.

Há poucos dias, Rebeca Mendes tornou-se a primeira mulher na América Latina a levar a um tribunal constitucional seu pedido concreto de interrupção de uma gestação. O pedido foi negado, e ela agora espera uma decisão judicial em São Paulo. Qual a importância de um caso como o de Rebeca? Foi muito importante porque ela colocou a questão da interrupção da gestação no patamar do exercício da sua cidadania. Enquanto uma cidadã, ela se dirige a corte suprema. Ela não optou por enveredar pelo caminho da clandestinidade e isso é muito importante porque é inaugural. Na resposta da Rosa Weber, que negou o pedido, ela diz que esse não seria o nível processual correto para a discussão. O legislativo seria então o caminho, mas isso está cada vez mais distante. Precisaria acontecer uma mudança no código penal. Somente obrigar alguém a abortar seria considerado crime e o aborto passaria para o código civil, seria regulamentado. É importante lembrar que quando falamos de aborto estamos falando do direito a interrupção da gravidez até as 12 primeiras semanas, obedecendo as diretrizes da Organização Mundial da Saúde. Ninguém está falando em tirar criança chorando com oito meses. Isso não é aborto.

A PEC 181, que pretende incluir a previsão de proteção do direito à vida "desde a concepção" na Constituição, voltou a ser debatida no Congresso. Como avalia esses dois movimentos tão intensos e tão distintos no tema do aborto no Brasil atualmente? Eu acho que o caso da Rebeca é reflexo desse estado que está destruindo os direitos das mulheres de forma cada vez mais avassaladora. O Congresso está colocando em risco a dignidade e a saúde das mulheres e, nesse sentido, atentando contra a constituição que diz que saúde é direito de todos e dever do estado.

As pessoas que defendem o direito ao aborto dizem que o tema não pode se tratado como crime e tema de prisão, mas como saúde pública. Dizem inclusive que a descriminalização e legalização do aborto diminui o número de abortos realizados, mas essa é uma afirmação muito difícil de entender. Legalizar o aborto reduz a prática? A legislação reduziria a morte materna e isso é mais importante do que reduzir a prática. Educação, informação, acesso a contraceptivos e trabalho de prevenção é que reduzem a prática.

A França teve uma das legislações mais avançadas do mundo no tema da legalização do aborto ainda na década de 1970. Recentemente, o período de espera de 7 dias que se exigia de mulheres que querem fazer um aborto nos país foi abolido. Você poderia contar um pouco sobre a experiência francesa nesse tema? Considera que seria um modelo de como lidar com a questão na América Latina?Esse tipo de discussão sobre o que está acontecendo na França é tão distante da nossa realidade. O fundamental aqui ainda é aumentar o número de hospitais que atendem o aborto legal, porque nem isso acontece como deveria.

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