”Ficar na mesmice não dá... desde que você tenha vontade, para que o pudor?”
Enfim, ele voltou de viagem. Chegou de surpresa. E daquele jeito que eu gosto... pele queimada de sol, cabelos aloirados, os olhos mais azuis do que nunca. Brilham ao cruzar os meus. Sinal de saudade. Não penso em nada. O que andou fazendo por lá não me interessa, agora somos só nós dois. Deixou a barba crescer de propósito, sacana... ele sabe que assim não resisto: está como no dia em que nos conhecemos. Ou melhor, igual a quando nos encontramos. Nenhuma expressão define melhor o que somos: um encontro. Mesmo que seja só de vez em quando. Tá bom assim. Se melhorar, estraga.
Só não na cama... É coisa de pele. E ele gosta. “De preferência, todo dia. Sexo é muito importante, se não for bom você fica inseguro na relação e vai atrás do que te satisfaça.” Lembro uma vez que ficamos parados na estrada, foi ali mesmo, no carro, com gente passando. “Ficar na mesmice, no papai e mamãe, feijão com arroz, não dá... Desde que você tenha vontade, para que o pudor? Somos libertos, para quem temos que dar explicação do que vamos fazer?”, solta.
No interfone, o porteiro avisou: “Tem um tal de Rafael Cardoso querendo subir sem avisar”. Apareceu com flores e disposição. Ao pé do ouvido, percebo o sotaque mais cantado da visita à família em Porto Alegre. Por lá, pai e irmão comemoram, orgulhosos, o comentado Do Começo ao Fim, de Aluizio Abranches, sua primeira atuação no cinema. Confesso que vê-lo aos beijos com um homem não foi lá tão confortável... mas é um filme, uma história de amor entre meios-irmãos. Só hoje ele me contou como foram as gravações: “Claro que preferia estar beijando uma mulher... Na cena da cama travei, tinha que ficar em cima dele [do ator João Gabriel Vasconcellos]. Essa cena precisava ser boa, é quando eles se declaram depois da primeira noite de amor. Tomei uma taça de vinho, meditei e pensei só no personagem. Depois, eu e o João brincávamos: ‘Porra, tenho mesmo que ficar me agarrando contigo?’”. E aí ele ri gostoso.
Taí um cara de mente aberta. “A mensagem do filme é: seja feliz como for, ame. Tenho isso na minha vida. O mundo precisa de carinho, ninguém mais é cordial, as pessoas só olham para o próprio umbigo, só se preocupam com dinheiro.” Sei que o Rafa vai longe; anda cheio de projetos, já já vou vê-lo mais na TV do que ao meu lado. Preciso praticar o desapego. Parece que vai estar na segunda temporada da minissérie Cinquentinha – em que contracenou com Marília Gabriela – e tem seu nome escalado para uma novela da Globo. Suposições. Mas um filme tem confirmado: Qualquer Gato Vira-lata Tem uma Vida Sexual mais Saudável que a Nossa, baseado na peça de Juca de Oliveira. Vai precisar raspar a cabeça para o personagem... lá se vão meus cachos. Acabou de abrir uma produtora com amigos, pensa em dirigir: “Quero ser sócio dos filmes, participar dos lucros e fazer um documentário político. Olha o [Barack] Obama, não fazendo nada pelo mundo, olha o clima, teve o encontro em Copenhague e não deu em nada... Que mundo nos espera? Penso em nem ter filho”. Ah... como adoro o jeito como ele explica suas ideias, sempre confiante, sabe o que quer da vida. E só 24 anos...
A vida tratou de botar o Rafa no páreo cedo. É a primeira vez que ele conta mais sobre a mãe. Não por nada, mas ele olha pra frente, o que passou passou. A mãe morreu aos 32 anos, de infecção hospitalar depois de uma cirurgia para a retirada de um tumor no pâncreas. Ele tinha 11, o irmão, 13. “Perder minha mãe me ajudou a amadurecer cedo. A gente aprende a conviver”, conclui. Por isso é que ele foi trabalhar na empresa do pai quando ainda era um moleque de 14 anos. “Abria chão para passar cabo de iluminação, instalava sistema de controle remoto, pintava portão...”, tudo depois de jogar futebol no Grêmio, seu time do coração.
Todo homem forte, Rafa segue sozinho seu caminho. E eu, praticando o desapego, acho ótimo que o dele tenha cruzado o meu.
