por: Loungerie

Outubro Rosa: Você não está sozinha

apresentado por Loungerie

Incentivar redes de apoio é fundamental para o tratamento de mulheres diagnosticadas com câncer de mama

“Mas nem parece que você tem câncer”, era o comentário seguido de espanto que Carolina Magalhães, 34, mais se deparava ao contar sobre a doença que lhe gerou uma mastectomia seguida de reconstrução de sua mama direita, em 2016. Talvez porque sua aparência cheia de vida e risada farta não condissessem com a faceta sombria que ainda estigmatiza as pessoas que passam pelo tratamento. Diagnosticada com câncer de mama aos 29 anos, a designer baiana conta, em conversa com a Tpm em parceria com a Loungerie, que as pessoas ficavam admiradas ao vê-la continuar trabalhando, saindo e se divertindo e sugeriram que ela escrevesse um livro sobre sua história. 

Em 2018, Carolina publicou, de forma independente, o livro "Mas nem parece que você tem câncer - Como sorrisos ajudaram a vencer a doença", com sua trajetória de superação e sobre a importância da rede apoio formada por sua família e amigos durante o tratamento. “Minha esposa e família foram muito presentes durante todo esse processo. Eles nunca demonstraram tristeza, estavam sempre confiantes que daria tudo certo. Essa vibe foi fundamental”, acredita Carolina. Ela ainda conta que o livro funciona como uma extensão da rede de apoio, já que muitas pessoas do entorno das pacientes leem a obra para saber qual a melhor forma de lidar com o assunto.

A ex-modelo, apresentadora e empresária Laura Wie também buscou conforto em outras mulheres ao ser diagnosticada com câncer de mama, em 2017. Ela estava em uma viagem em Israel com nove amigas quando esperava o resultado para saber se o tumor era maligno. “O apoio delas foi fundamental. Elas eram muito espiritualizadas e, no momento da minha cirurgia, lembrei de todas. Foi como se estivessem ali comigo naquele momento”, lembra. 

Laura contou ainda com o suporte de outra amiga, a jornalista e psicóloga Valéria Baraccat, que já tinha passado pelo câncer de mama e enfrentou uma série de cirurgias para a retirada de tumores. “Ligava para ela e conversava de tudo, desde o que fazer quando minha boca ficava seca, sobre os filhos e até mesmo dicas de maquiagem. Como ela já tinha enfrentado tanta coisa, me deu uma grande segurança de notar que tudo passa, inclusive o câncer. E que ele tem, sim, tratamento. Ela me ajudou a lidar com a doença de uma forma bastante prática”, conta Laura.  

Além de seu marido e de sua mãe – que veio de Porto Alegre para passar uma temporada com ela em São Paulo –, as filhas de Laura, com 18 e 22 anos na época, também foram fundamentais nessa rede de apoio. Elas levaram a mãe para renovar o guarda-roupas e comprar maquiagens novas: “Quis criar um perfil mais despojado, brincamos um pouco com isso para ficar mais leve. Como trabalhei muitos anos como modelo e já fui ruiva, morena, loira, já tive cabelo crespo e liso, usei desse artifício para pensar que é só mais uma personagem, agora com cabelo raspado, mas que daqui a pouco mudo de novo”. 

Apoio terapêutico

É com o intuito de compartilhar histórias e experiências que grupos de mulheres se reúnem uma vez por semana em uma roda virtual gratuita promovida pela Oncoguia, ONG voltada para a qualidade de vida do paciente com câncer e seus familiares. “São espaços terapêuticos em que a gente fala sobre a importância de se comunicar de forma clara, de como colocar limites, de saber pedir e aceitar ajuda, afinal, é um momento que sua vida vai estar virada de ponta cabeça, do ponto de vista físico, mas também do ponto de vista emocional”, explica Luciana Holtz, psico-oncologista, fundadora e presidente da Oncoguia.  

Segundo ela, a rede de apoio começa no círculo imediato, com companheiros, filhos, irmãos e pais, e se expande para tios, primos, amigos, colegas de trabalho, psicólogos, nutricionistas, preparadores físicos e até mesmo a equipe hospitalar. “O câncer impacta todos que estão ao redor. Não diz respeito só à família, mas à sociedade. Compartilhar o peso transforma a jornada mais leve. Você ganha outros braços para te ajudar a dar conta”, acredita Luciana. 

Síndrome de Mulher Maravilha 

Ser uma mãe presente, cuidar da casa e ainda ser uma profissional bem-sucedida são exigências que recaem cruelmente sobre as mulheres na sociedade em que vivemos, fazendo com que a própria saúde das mulheres seja colocada em último plano na escalada de tarefas a serem cumpridas. 

“Somos ensinadas a ter de cuidar de tudo e de todos, dos filhos, do pai, da mãe... E quando a mulher se depara com um problema seu de saúde, fica perdida porque assumimos essa postura de Mulher Maravilha”, acredita Luciana. Para ela, uma boa dica para quem é rede de apoio de pacientes com câncer é oferecer ajuda com tarefas simples do dia a dia, como preparar um jantar, buscar o filho na escola para ela ou acompanhá-la em uma sessão de quimio.

Luciana conta ainda que é muito comum pessoas do entorno da paciente com câncer desaparecerem, muitas vezes por desinformação, preconceito ou até mesmo por não saberem como agir: “Se você não sabe o que dizer, lembre-se de que você não precisa falar sobre o câncer. Só fique por perto e fale sobre qualquer outro assunto. Afinal, a paciente continua sendo muito mais que a doença. Continua sendo sua mãe, sua amiga, sua mulher”. 

Câncer x desigualdade racial

O câncer de mama é o de maior incidência em mulheres no Brasil, excluindo o de pele não-melanoma. Entre as mulheres, corresponde a 29,7% do total de cânceres, segundo dados da Oncoguia. Apesar de a doença acometer a todas, estudo publicado pela pesquisadora Lívia Lemos em 2020, pela Universidade Federal de Minas Gerais, revelou que as mulheres negras são as que apresentam taxa de mortalidade mais alta. A sobrevida neste grupo é até 10% menor do que entre mulheres brancas. 

O resultado mostra que as mulheres negras têm menor acesso às ações do plano de controle do câncer de mama, sendo o diagnóstico tardio um dos principais motivos para a menor sobrevida dessas pacientes. O câncer de mama tem bom prognóstico, quando identificado no início. A pesquisa acompanhou, durante cinco anos, a evolução de mais de 59 mil mulheres pacientes de câncer de mama, que iniciaram tratamento na rede pública de saúde entre 2008 e 2010. 

“As mulheres têm cerca de 95% de chances de cura quando o câncer de mama é descoberto no início. Mas a grande maioria das mulheres negras não faz exame de rotina. Quando muitas descobrem, ele já está em estado avançado. Isso sem contar a demora para marcação de exames na rede pública e a falta de medicamentos e tratamentos”, alerta Carolina, que frequentemente se posiciona nas redes sociais para que as mulheres negras se cuidem e se priorizem. Um estudo publicado em 2020 no periódico científico Cancer revelou ainda que, após um diagnóstico de câncer de mama, mulheres negras têm espera mais longa para o início do tratamento do que as mulheres brancas, além de maior chance de ter um tratamento com duração prolongada. 

Carolina acredita que o racismo se faz presente em todas as áreas da vida, não deixando de lado a saúde. “Já me deparei com muitos relatos de mulheres que eram taxadas pelos médicos como mais fortes e resistentes e menosprezadas ao reclamarem de dor. Isso de que somos mais fortes é um grande mito, o limiar da dor não depende da cor”, critica Carolina. Ela ainda denuncia outro problema enfrentado pelas mulheres negras: a perda de autoestima e a solidão. 

“A gente já é preterida pelos homens em relacionamentos heteronormativos. Somos vistas como objetos sexuais e não como parceiras para relacionamentos. Imagina depois de ficar careca, perder as sobrancelhas, a mama, e, muitas vezes, não conseguir reconstrui-la de imediato? Essa questão estética influencia muito no psicológico de nós, mulheres negras”, conta Carolina, que tatuou em seu braço direito “Viver enquanto houver vida”, com um lacinho da campanha do câncer de mama estampado logo abaixo. 

Epidemia de câncer 

De acordo com Radar do Câncer, projeto idealizado e criado pelo Instituto Oncoguia com o intuito de auxiliar pesquisadores, repórteres, associações, secretários de saúde e o público em geral a entender os impactos dos diferentes tipos de câncer na população brasileira, o número de biópsias de câncer de mama realizadas em 2019 foi de 80.034. Já em 2021, caiu para 42.951. Já o número de mamografias feitas em 2019, foi de 3.811.240, enquanto em 2020 caiu para 2.245.565, e em 2021, 1.520.466. 

“O número de mamografias no Brasil caiu praticamente 50% durante a pandemia. Todos os dados despencaram. Estamos muito preocupados porque, quando sairmos da pandemia de coronavírus, vamos enfrentar uma nova epidemia: a de casos avançados de câncer”, aponta Luciana. Ela relembra que é a hora de voltar a atualizar os exames, como a mamografia e o Papanicolau – que tem como objetivo detectar alterações e doenças no colo do útero, como inflamações, HPV e câncer. 

“Muita gente ainda resiste a fazer os exames dizendo que quem procura, acha. Mas, na verdade, quem acha, cura. É preciso desestigmatizar esse olhar do câncer como sinônimo de morte e dor. Já temos muitas boas notícias nesse universo”, finaliza Luciana.

Créditos

Imagem principal: Lili Ferraz

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