A surfista Suelen Naraísa responde às polêmicas declarações do diretor executivo da Associação Brasileira de Surf Profissional e pede o fim do machismo no esporte
Há dez dias, aconteceu em Itamambuca, praia do litoral norte de São Paulo, o único Campeonato Brasileiro de Surf Feminino de 2015. Organizado de forma independente por atletas, o evento reuniu meninas e mulheres de várias partes do país, que se encontraram para competir e celebrar - o último circuito feminino tinha sido realizado em 2010.
O que elas não imaginavam era a repercussão que o evento teria. A matéria publicada aqui na Tpm semana passada trouxe à tona uma velha discussão: machismo, preconceito e violência contra as surfistas mulheres no Brasil. As declarações do diretor executivo da Abrasp (Associação Brasileira de Surf Profissional), Pedro Falcão, caíram como uma bomba. Para ele, o esporte precisa de mulheres bonitas para crescer. A gente chegou até a falar sobre isso na edição de outubro da Trip: a imagem e o apelo sensual vêm antes da performance? Indignadas, surfistas de todo o país organizaram um manifesto de repúdio às declarações de Pedro, que foi parar nas páginas do jornal O Globo.
Suelen Naraísa, surfista profissional local de Itamambuca, organizou o campeonato junto com o irmão, Wiggolly Dantas, e é uma das que pede o fim do machismo no esporte. Suelen é guerreira, começou a pegar onda com oito anos de idade, descobriu um câncer aos dez e, aos 13, voltou a surfar e nunca mais parou. Se profissionalizou e conquistou títulos importantes, como o bicampeonato brasileiro de surf profissional feminino, mas se viu sem incentivo nos últimos anos.
Na entrevista a seguir, Suelen conta como se sentiu diante das declarações do dirigente da Abrasp e sobre a possível criação de uma associação feminina de surf. "Sempre fomos a segunda opção nos eventos, surfando nos piores momentos do mar. Como querem que a gente mostre todo nosso potencial?"
Como você recebeu as declarações de Pedro Falcão, dirigente da Abrasp? Quando comecei a ler a matéria fiquei muito feliz, pois era exatamente disso que estávamos precisando. Mas, conforme fui avançando a leitura e enfim cheguei ao ponto da declaração do Pedro, um grande sentimento de raiva me abateu. Li e reli, e até agora não consigo entender como um representante do nosso esporte pode ter esse infeliz pensamento. Até respeito a opinião dele, porque acho que as pessoas devem ter livre-arbítrio, mas com este pensamento ele não pode nos representar.
Você acredita que a opinião dele seja a mesma de outros dirigentes e formadores de opinião do surf brasileiro? Acredito que seja a opinião de alguns, mas não de todos. Tenho a obrigação e devo isto ao esporte, de pelo menos tentar mudar esta mentalidade retrógrada no mundo do surf.
Você acha que ele pode ter sido mal interpretado? Toda ação gera uma reação e foi isso que aconteceu. Podemos até tentar entender um modelo a ser seguido. Mas exigir uma linda surfista?
A reportagem gerou um movimento nas redes sociais e tomou uma proporção que fez com que Pedro se manifestasse por meio do Facebook, na página oficial do movimento "Surf Feminino Sim". Você conseguiria entender suas falas em algum outro contexto? O contexto esta aí: uma linda surfista, que além de surfar seja modelo. Até concordo que deve haver algumas mudanças. Mas, como eu já disse, para mim a beleza nunca foi e nunca será a salvação dos grandes problemas. Acredito em caráter e muita educação para mudar várias situações. No mais, está explícito o “belo” pensamento do nosso diretor.
Você vê a possibilidade do surgimento de uma associação brasileira de surf feminino? Ou acha que depois desse movimento a Abrasp vai ter uma postura diferente, incluindo as mulheres no Super Surf em 2016, por exemplo? Creio que pensamentos e atitudes terão que ser repensadas. Caso o erro não seja corrigido, e o pensamento capitalista continue dando as ordens no mercado do surf, aí sim deverão ser tomadas novas ações e uma possível separação poderá acontecer, surgindo assim uma nova associação.
Muitas mulheres bonitas também não tiveram a oportunidade de se profissionalizar no Brasil, o que prova que o pensamento do dirigente é, além de machista, uma inverdade. Por quais motivos você acredita que o surf feminino não é visto com o respeito que deveria? Nós, atletas brasileiros, nunca tivemos o respaldo merecido do nosso país. Temos que ser campeões para depois sermos reconhecidos, ao contrário de outros países, que criam seus atletas até formarem um campeão. Essa mentalidade brasileira é bem atrasada e, se tratando de nós mulheres, as coisas pioram em vários sentidos. Sempre fomos a segunda opção nos eventos, surfando nos piores momentos do mar. Como querem que a gente mostre todo nosso potencial? Acredito sim que nós atletas temos nossa parcela de culpa, mas os dirigentes nunca se preocuparam em formar além de grandes campeões grandes, cidadãos.
A qualidade técnica e performance das surfistas brasileiras também é levantada em questão quando surgem discussões sobre a desigualdade de oportunidades entre os surfistas. Você acha o surf feminino inferior? Não me sinto nem um pouco inferior e, modéstia à parte: eu me garanto! No último ano do circuito brasileiro, em 2010, estávamos no melhor momento. Com a falta do circuito e o desaparecimento dos patrocínios acredito que houve uma desmotivação dos atletas, obviamente. A atual situação é outra, podemos ver que depois de tanto tempo sem eventos essa nova geração está chegando para ficar e só precisam de mais atenção e respeito para estes talentos serem moldados e chegarem no circuito mundial.
Não me sinto nem um pouco inferior e, modéstia à parte: eu me garanto!
Quais são os próximos passos agora? Como as surfistas brasileiras pretendem se organizar com relação a essa declaração de Pedro? Mudanças já estão acontecendo e a prova disto é esta mobilização que houve na internet diante dos comentários dele. Todos nós devemos rever nossos atos, mas de uma coisa tenho certeza: não precisamos de pessoas que não acreditem no esporte como algo capaz de educar, transformar e sim que a beleza está acima de todos os aspectos que um ser humano pode ter.
Você acredita que essa discussão vai servir para mudar ou cenário realmente? Sim. Ou muda ou acaba de vez. Somos atletas e dedicamos uma vida inteira à prática do esporte. O surf é um estilo de vida e, além disso, uma modalidade esportiva. Não estou julgando aqui as modelos, nem colocando em questão se surfam ou não, porque tenho lindas amigas surfistas e modelos que se garantem no outside. O que friso é essa falta de respeito e imposição de nossos representantes possuidores de uma mentalidade vazia e abusiva tanto com nossos as atletas quanto com as modelos, por se referirem a elas como produto de vendas, apenas. Assim como as modelos, todas nós temos nosso espaço e a união das surfistas e modelos dentro de uma marca na forma representativa deve existir sim, não vou ser hipócrita. Nós merecemos como atletas e como mulheres.
Quem são os culpados pela desigualdade de oportunidades no cenário do surf profissional? Não é o momento de apontar culpados e, sim, de encontrar soluções. Não podemos mais perder tempo. A hora é agora e viva o surf feminino sim! No que depender de mim, estarei aqui para ajudar e levantar nossa bandeira sempre.