O grande encontro

por Redação
Tpm #65

Passou por mim um homem. Celibatário e santo, pensei. Depois de um ano tendo meu sadhana, prática diária, mentoreada por esse monge, fui ao encontro dele na Tailândia só com passagem de ida

Por Patrícia Varella

Enquanto as pessoas se sentem seguras que os loucos estão presos, o insano, entretanto, olha pelas grades em compaixão pelos que estão do outro lado da mesma grade, sujeitos aos perigos das ruas, às responsabilidades sociais e familiares, ao esforço para ganhar o sustento. “Presos”, pensa. E reza que um dia eles possam ser “livres” como ele, que vive na imbatível segurança de seu cárcere... E você, é realmente livre? – Parábola indiana.

Passou por mim um homem. Celibatário e santo, pensei. Americano com 30 anos de Índia vividos em um mosteiro da ordem tradicional. Depois de um ano tendo meu sadhana, prática diária, mentoreada por esse monge, fui ao encontro dele na Tailândia só com passagem de ida.

Sento aos pés do suposto mestre, onde ele em sua falsa glória inicia o que se desdobraria como uma das maiores frustrações da minha vida. E, posteriormente, como imensurável graça! Aparentemente, a dignidade é com freqüência um desejo vazio em palavras balbuciadas sem ações que as suporte. Eu olho para os que julguei, cavaleiros do apocalipse da minha vida, e descubro em cada um deles grandes mentores. “Nem amigos. Nem inimigos. Somente mestres” é a máxima oriental.

Fui pela liberdade, moksha em sânscrito, e descobri meus aprisionamentos. Eu própria me acorrentei ao que mais pensei amar. A busca pelo sentido da vida, mesmo com conotação imaculada, ainda implicava minha insatisfação em viver. E vivi assim por longos anos, encarando a vida como um problema a ser resolvido em vez de uma bênção a ser realizada.

Queria ir embora, mas o homem era persuasivo. Ainda em Pai sou mordida por um cachorro louco e sigo viagem ciente de que devo continuar com vacinas anti-rábicas. Na Indonésia descubro que o tratamento não existe ali. Contraio uma infecção digestiva e fico isolada. Meus demônios me fazem companhia entretendo diálogos internos de falência e incredibilidade sobre a proteção que esperava que uma aspirante da verdade teria. Eu era acorrentada à crença de que só o que estereotipei como positivo era divino. E hoje vejo que não há o que ocorra que não seja pelo menos um milagre! O acaso faz com que me separe do mestre que era na verdade um homem repreendido por sua opressora fé, reprimido por décadas em incontestável devoção. Facilmente eu repetiria sua história.

Anos depois, com alguma informação sobre as escrituras e nenhuma sabedoria, percebo que o sujeito me fez realizar não o ser universal onipresente, mas meu próprio ser esquecido e abandonado preso na busca por algo diferente de mim. Por isso os mestres nos lembram sempre que nós somos o que buscamos! Mas, escrava dos meus sentidos, é tão mais fácil olhar para fora que para dentro. Do alto da minha insanidade, por trás de grades que coloquei entre os outros e mim, julgava gozar de liberdade, trancada nos meus vários conceitos de uma vida teórica.

Um cachorro determinou meu itinerário mesmo que eu tenha interpretado o fato como desgraçado. Recordo o que aprendi além das palavras do “medíocre” mestre, nas ações que eu facilmente faria se não fosse esta dita maldita experiência. Então graças a esse “magnífico” mestre, existe o empenho para não ser um saco de palavras sem constatação prática.

Quando questiono nossa nobreza, filhos do rei do universo, e penso em reclamar do que ocorre diferente do que considero sagrado – como o ataque de um cão feroz – eu silencio minhas frustrações, meus desejos de mudança. Calo minha ignorância. Nada do que deparamos é menor que um todo indivisível que somente avistamos em partes, julgando-as como boas ou más. Olho para meu passado e paro de resistir à experiência do agora. Sorrio. Como seria esse dia, com tudo que chamo de miserável e abundante, algo menor que simplesmente inteiro? A vida singelamente é. Os predicados são meus. A realização disso marcará um dia o fim da minha sentença – a qual eu mesma sou juíza.

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